segunda-feira, agosto 24, 2015

Inconsciência, indiferença, irresponsabilidade, protagonismo e nada mais



Certamente que já toda a gente esqueceu o que se passou nas margens da Ribeira de S. Romão na véspera de Natal.
Passaram oito meses e não foi por acaso. A esta distância temporal já se podem tirar algumas ilações. A primeira - e mais óbvia - é que há sempre alguém que não esquece nada.
O se passou então?
Bem, Câmara de Alcácer e Junta de Freguesia nem murmuraram. Afinal de contas o slogan é «Alcácer com vida» e não «Alcácer com morte» não é mesmo? Nem uma declaração. Não houve um único elemento, uma única declaração que fosse na Assembleia Municipal ou fosse na Assembleia de Freguesia do Torrão, de qualquer agente político, que invocasse o assunto, que discutisse, que fizesse uma proposta. Um lamento. Nada! O assunto morreu no esquecimento e foi como se não tivesse acontecido. Um acidente mortal, coisa pouca. Siga.
E acções concretas? Vamos ver já a seguir.
Depois temos GNR, Bombeiros, Protecção Civil Municipal - e não esquecer o Presidente da Junta que é, por inerência, o responsável máximo pela protecção civil na freguesia.
E o que vimos e retivemos da parte de alguns destes actores sem ser o seu minuto de fama?
O óbvio: Que as pessoas não podem ir pescar para perto de fios eléctricos.








Como as imagens mostram, perto das margens da ribeira o perigo não é tão explícito assim. A situação é traiçoeira. E porquê?
Porque os fios parecem demasiado altos, porque muitos são aqueles que vão focados na pesca e na água e não tomam atenção ao que está por cima das suas cabeças, porque a coisa não é claramente perceptível, etc.
Estas imagens acima foram recolhidas cerca de quatro meses (Março, Abril) depois da tragédia. E o que vemos então? Nada!
O problema é justamente esse: NADA.
Então os responsáveis pela protecção civil seja a nível camarário, seja a nível da freguesia ou outros não tomaram uma medida preventiva que fosse?
O QUE SE FEZ, QUE MEDIDAS FORAM TOMADAS PARA PREVENIR FUTURAS SITUAÇÕES?
É claro que não se deve pescar com linhas eléctricas por cima de nós. Ora uma autoridade seja ela qual for não se pode escudar em verdades lapalissianas. Ao invés, tem de identificar um problema e resolve-lo ou minimizá-lo. Da mesma forma um agente de autoridade não pode ter a insensatez, inconsciência, irresponsabilidade ou veleidade de não agir por entender que há realidades demasiado óbvias quando tal é totalmente subjectivo. O que é que é óbvio e para quem é óbvio?
No fundo, tem que ter a capacidade de ver para lá do seu umbigo. E o problema é justamente esse: Muitos são aqueles que não conseguem vislumbrar o que quer que seja sem ser o seu umbigo.
Certamente um bombeiro, um agente policial ou outro agente de protecção civil sabe que uma cana de pesca é geralmente feita de carbono e que este é um bom, um excelente condutor eléctrico mas um pescador qualquer pode não fazer a mais pequena ideia. Poder-se-á dizer que a indicação está na cana. Pois, mas ainda assim a pessoa pode ainda nem se ter apercebido. Um agente político ou de protecção civil até pode ser letrado e ter habilitações académicas elevadas - COISA RARA - mas muitos pescadores são pessoas de idade avançada, com pouca escolaridade, outros poderão estar ébrios, outros poderão pura e simplesmente ir distraídos de cana em riste, outros poderão não olhar sequer para cima, outros poderão avaliar mal a distância a que os cabos estão do solo e o comprimento das suas canas de pesca, outros poderão ir à pesca com nevoeiro ou outras condições de visibilidade reduzida. E, pior, poucos terão a noção que para ocorrer electrocussão não tem que necessariamente haver contacto físico e directo da cana com a linha condutora. A descarga ou passagem de corrente eléctrica ou curto-circuito - no fundo é isso - pode dar-se porque há um perigo invisível: os campos eléctricos, que são tanto mais intensos e extensos quanto maior for a tensão no fio condutor - ver livros de Física nomeadamente Electromagnetismo - e são gerados justamente por esta. Ora quando um material condutor por excelência como é o carbono se aproxima de uma determinada distância crítica e a cruza a passagem de corrente dar-se-á. E a distância crítica pode nem ser tão pequena quanto isso e ser da ordem dos metros. Meus caros, porque é que um pára-raios pára os raios? O princípio aqui é exactamente o mesmo. Pois é; a cana de pesca faz de pára-raios. No fundo o que se passa é que ocorrem grandes concentrações de cargas eléctricas que se acumulam na região pontiaguda da cana (até a geometria é semelhante à do pára-raios) quando o campo eléctrico na vizinhança da ponta atinge determinado valor, algo que se designa por electrostática, dá-se a ionização dos gases (ar) em redor o que produz uma descarga da ponta da cana para o solo, através de um condutor de baixa resistividade (exactamente; o «condutor de baixa resistividade» é nada mais que o pescador). 

Em suma, pode acontecer tanta coisa, tanto imponderável. Não é linear.
Vejamos um exemplo prático: Quando há um buraco numa rua - por exemplo de uma obra municipal - o que acontece? Esse buraco é sinalizado.
Ora toda a gente sabe que não pode progredir quando vê o buraco sob risco de cair lá dentro. Mas ainda assim o buraco é sinalizado. Porquê? Fica a pergunta.
Mas não. Por descargo de consciência e para mostrar serviço, afirma-se que não se deve pescar debaixo de fios eléctricos.
OBRIGADO!




Este blog é um espaço incómodo, que procura soluções onde outros só vislumbram problemas. Muitas vezes somos acusados de levantar problemas mas nunca propor soluções - É falso mas tem feito escola. Ora no caso em apreço, a solução é óbvia e passa por alertar os potenciais pescadores e utilizadores. 
Há já uns poucos de meses, que estávamos para escrever um artigo pois logo identificamos o problema. Na verdade até pensamos em algo do género na altura mas em boa hora alguém se lembrou de exemplificar esplendorosamente. Pena nem uma única alma ter relacionado as situações e factos. A solução? As imagens em baixo mostram.
Estas imagens foram recolhidas em Junho. E o que mostram?
São imagens da zona de obras decorrentes do canal de rega do Alqueva. Nesta estrada, onde operam máquinas de diverso tipo, qual foi uma das medidas de precaução imediatas a ser tomadas em termos de Higiene, Saúde e Segurança no Trabalho?
Pois é. O que se fez foi SINALIZAR o local alertando os operadores das máquinas para o perigo que se encontra acima  - o cruzamento de linhas de média tensão nesta zona da estrada.
Duas estacas de madeira de dimensões assinaláveis, bem visíveis e com o perigo assinalado.
Porque não uma medida similar no local onde já ocorreram duas mortes e assim prevenir, minimizando (mas nunca anulando) o risco de acidente?
Prático, pouco dispendioso e eficaz. Apenas em vez de usar um letreiro em papel plastificado, usar uma chapa metálica.













A conclusão que se pode tirar daqui é que já houve uma primeira vítima, há uns anos atrás; uma segunda vítima, há oito meses atrás e, querem saber a novidade? Irá acontecer uma terceira vez, quarta... e porquê?
Fácil; porque o evento cai no esquecimento. Certamente que já praticamente ninguém se lembrava do que ali aconteceu. E poucos vislumbram o perigo imediatamente.
O que vimos pois neste caso? Inconsciência, indiferença, irresponsabilidade, protagonismo e lições de moral mas acções concretas e preventivas, nada.
Vai ficar assim?
Bem, então até à próxima electrocussão.

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