Querido Pai Natal
Quero antes de mais agradecer-te as prendinhas que me deste ano. Sei que não foram muitas mas fiquei satisfeito. É justo! Escrevo esta singela carta para te agradecer mas também para te elucidar acerca do insólito trabalhinho que certamente já te apercebeste aqui por terras de Bernardim. Naturalmente que já pusestes os olhos neste lindo servicinho que aqui é feito há dois anos consecutivos e certamente já deu para uma pequena reflexão.
Não sei se tal te desagrada ou não nem sei se tu, porventura durante a tua longa vida, já viste algo do género. Aliás, tal como eu, já te deves ter interrogado com questões do género: Como é possível permitir-se uma coisa destas? Como é que é possível alguém autorizar outrem a carregar árvores inteiras para serem queimadas em plena via publica? Por acaso foi solicitado deferimento a quem de direito? E se foi, autorizaram? E se autorizaram, quem em concreto é que assinou? E quem assinou por acaso tem noção daquilo que autorizou?
Caso porventura queiras contar as tuas peripécias aos teus amigos e se eles ficarem incrédulos ou na duvida podes sempre mostrar-lhes as fotos pois como se costuma dizer: uma imagem vale mais que mil palavras e longe de mim eu querer que tu passes por mentiroso.
Vê lá tu que há dois anos seguidos, para aí uma semana antes do Natal até depois do Ano Novo, o que dá um período de tempo de mais ou menos duas semanas, troncos de árvores e, pior, a base do tronco e raízes atafulhadas de lama, barro, terra e pedras são carregados para o Largo do Cruzeiro para aí serem consumidos num fogo ininterrupto durante o período de tempo referido.
Para além de constrangir o trânsito sendo aquela uma zona problemática por dificuldades de manobra quando dois veículos se cruzam naquele ponto – o que vale é que tu quando ali passas já a noite vai alta e não se vê vivalma senão metias o Rodolfo e restantes renas em cargas de trabalhos quando para mais nós sabemos que os trenós não podem fazer marcha atrás - ainda há lugar a poluição visual e poluição física do local com lama, barro, terra, areia, cinza (que entretanto se vão acumulando), tições, fuligem e fumo e ainda por cima sendo este um período do ano em que chove bastante estão reunidas todas as condições para a conversão do sitio num autentico lamaçal ou, como se diz por cá, num autentico atasqueiro. Segundo consta, este serviço é feito por uma auto intitulada comissão de festas(?) e acaba por beneficiar terceiros com a agravante de fazer, sujar, usar e depois para limpar como seria o seu dever, não. Ao invés disso é solicitado aos serviços camarários, pagos com o dinheiro dos contribuintes, vê lá tu, para que limpem e deixem tudo como estava antes cabendo a tarefa de limpar o que outros deliberadamente sujaram, aos funcionários da Câmara!!! É que ainda se fosse no adro da igreja matriz mesmo sabendo que tal nem sequer é tradição secular por estas paragens ainda vá que não vá! Vamos imaginar que quaisquer outras pessoas… sei lá… assim de repente… comerciantes e donos de cafés por exemplo, iriam querer tomar a iniciativa e fazer o mesmo. Se se autoriza num local tem que se autorizar em todos os demais sob pena de haver desigualdade de trato. Vamos imaginar que mais alguém iria querer fazer algo semelhante no Largo de S. Francisco, na Rua do Relógio, na Praça Bernardim Ribeiro e por aí fora. Como é que os senhores que autorizaram, se é que autorizaram, se é que tiveram conhecimento, descalçavam essa bota?
Não sei qual é a tua opinião. Talvez até tu não só concordes como até aplaudas tal iniciativa pois o teu trabalho deve ser de tal forma extenuante que te apeteça fazer umas pausas ao longo da noite e ainda para mais numa noite fria como é a do Natal é sempre reconfortante e revigorante parar junto a uma lareirazinha sem importância (como é o caso) onde está quentinho. Quem sabe até se tu já precavido do ano passado, sabendo da existência de tal, trouxestes um farnel – pois, porque àquela hora já não dá para comprar nada em lado nenhum tal é o adiantado da hora - para matar a fome e retemperar forças? Um bocado de toucinho rançoso ou uma chouriça manhosa assados na brasa regados com um vinhito a martelo ou uma «bjeca» enquanto tu te aqueces... Não te censuro! Quantos não há por aí que aproveitando tal borralho fazem o mesmo, deglutindo uma lauta petiscada enquanto olham para as brasas? Até lambem os beiços… Agora imagina que eu e outros como eu também iriam querer dar-te as boas vindas e para isso desatava a carregar umas arvorezitas para o meio da rua e acendíamos um belo dum fogo para tu te aqueceres! Então não podemos nós também ser gentis para com o Pai Natal e ajudá-lo a ganhar alento para levar a bom termo tão hercúlea tarefa?!
Que se façam uns arraiais pelos santos populares muito bem. É pitoresco, é tradição e só dura um curto período de tempo, não suja e trás cor e alegria e desde já te convido pois ao contrário da longínqua e gélida Lapónia o clima por estas latitudes é bem melhor daqui a seis meses do que agora. Te asseguro. Que se faça um presépio e se embelezem as ruas pelo Natal é bonito, é original e não prejudica ninguém e é uma forma de decorar a vila, no fundo uma forma de te dar as boas vindas. Assim se fizessem mais. Agora aquilo, perdoa-me o desabafo, é nitidamente um exagero, uma ocupação ilegítima e abusiva da via pública. Se fosse uma coisita pequenina e sem significado, agora uma coisinha àquela escala tanto no tempo como em termos de dimensão?! Acaso não concordarás comigo e não acharás falta de bom senso apesar de tudo?
Bem, não te maço mais, espero sinceramente que ponderes o meu convite. És e serás sempre bem-vindo ao Torrão e quem sabe se para o ano não haverá uma mas várias fogueiras desgarradas a darem-te as boas vindas. Cumprimentos para ti e teus amigos e votos de feliz ano novo.
Aquele abraço
Paulo Selão