Para enquadrar melhor o que afirmo nas duas últimas postagens, a saber: 'República é isto' e 'República é também isto' e para enquadrar também o que se passa no seio das ditas repúblicas a começar pela de cá, onde a labuta pelo alojamento em Belém e no vértice do Estado português começa a fazer-se sentir, seria interessante ler algumas passagens do livro Razões Reais da autoria de Mário Saraiva, editado por Universitária Editora. Quem quiser de facto saber mais, aconselho a sua leitura. Não é pesado em termos de leitura e pode ser lido até pelos menos cultos.
Atentemos pois nalgumas das mais interessantes passagens:
«É indiscutível que um Presidente, porque é eleito, representará apenas uma parcela - o sector maior ou menor dos seus eleitores - e nunca poderá, com algum fundamento, atribuir-se-lhe a representação dos que não quiserem votá-lo e de quantos preferiram os candidatos seus opositores.»
«A eleição é uma escolha e, como tal, pressupõe divergências de opiniões, a discussão generalizada e a divisão do país em volta dos candidatos propostos.»
«(...) Nos periodos eleitorais respira-se a atmosfera de uma guerra civil.»
«Podem apresentar-se ao país dois, três ou quatro nomes indigitados à Presidência da República, mas quem os escolheu senão os directórios dos partidos ou dos agrupamentos políticos, em actividade eleitoral?»
«(...) Um Presidente, seja qual for a sua estrutura mental, o que é neste particular senão um improvisado? Não nasceu, nem foi preparado para a Presidência. Não tirou qualquer curso de Presidente, que os não há. Vai, sujeito a todas as contingências, exprimentar-se. A sua actuação terá um carácter precário e de surpresa. Naturalmente os primeiros tempos serão gastos a conhecer o meio e a adaptar-se ao lugar. Depois, passado esse periodo inicial de auto-aprendizagem, quando poderia começar a sentir-se suficientemente apto, ensaiando com relativa segurança e consciência a acção presidencial, então estará chegado o termo constitucional do seu mandato... e um novo eleito, outro improvisado, irá substitui-lo, repetindo o mesmo ciclo improfícuo e insensato.»
«Um Presidente da República teve de ser proposto, a sua candidatura teve de ser pertinazmente defendida, a eleição afanosamente trabalhada e dispendiosamente conseguida. E por quem, se não por um partido ou por um agrupamentodo do qual o candidato seja pessoa de confiança? Ao fim, a vitória alcançada sobre as forças políticas adversárias não exprimirá tanto um exito pessoal do novo Presidente, como o triunfo da força política que o escolheu e levou ao poder.
Na mecânica normal do sistema republicano, a Presidência tem necessáriamente um côr política e partidária. Nestas condições, como poderia caracterizar-se pela independência e imparcialidade da sua acção o Chefe de Estado que, como candidato, começa por ficar dependente dos compromissos que o ligam ao seu partido ou à corrente política que o propõe; e, como eleito, sujeito às forças que o apoiaram?
Acaso poderá confiar-se que, uma vez no poder, o eleito rompa, deslealmente, com os amigos e correligionários que nele confiaram e o elegeram, para dispensar tratamento de igualdade às oposições que o combateram nas eleições e contra as quais sempre se defrontou como adversário político?
É necessário ser demasiado crédulo para se fiar na imparcialidade de funções, a partir de uma disputa eleitoral do cargo.»
«(...) o mal não vai dos homens mas, do determinismo dos sistemas. As despesas eleitorais são hoje vultuosas e quem não competir nesses gastos não pode acalentar quaisquer ilusões quanto aos resultados. A política eleitoral fez-se em grande parte um negócio com empresários nos bastidores. Os apoios financeiros não são prestados gratuitamente; terão de ser recompensados pelo Poder.»
«Debatendo-se com o predominio das oligarquias capitalistas que se assenhoreiam facilmente do poder oriundo da eleição (pois não é o dinheiro que acciona a máquina da propaganda que ganha ou compra a maioria dos votos?), sem uma autoridade superior e independente que as neutralize, resta no estado republicano, como geralmente mais viável, o caminho da revolução, mas esta leva às soluções extremistas com o nivelamento por baixo o que não é, evidentemente, um progresso.»
«Quer os Governos, quer os Parlamentos, quer o Presidente, estão sujeitos periodicamente e a curto prazo às mais imprevistas e súbitas mutações dependentes das contingências eleitorais.
No sistema republicano não existe nenhum órgão, nenhuma instituição, que represente a continuidade da Pátria. Todos os poderes são caracterizadamente partidários, na origem, nas funções, no significado e, como tal, inconstantes e instáveis como a opinião pública de onde provêm.»
«As impugnações da legitimidade das eleições presidenciais têm sido, aliás, tão invariávelmente apresentadas pelos próprios adeptos do método eleitoral, quando delas saem vencidos, que não vale a pena reeditá-las.»
«Que a instabilidade das repúblicas provém em grande parte do inconveniente modo de preenchimento da chefia do estado, encontra-se, aliás, abundantemente demonstrado na prática. A disputa repetida do lugar da Presidência conduz, via da regra, aos dois males extremos: ou à desordem produzida pelo choque das facções políticas, ou à imposição ditatorial de uma dessas facções políticas. O estado de equilibrio é raro, difícil e sempre instável.
As repúblicas existentes confirmam esta observação que, de resto, vem de todos os tempos.»
Qualquer república que se preze, a começar pela local, não deixa os seus créditos por mãos alheias esforçando-se briosa e heroicamente com galhardia para que todas estas permissas sejam válidas uma por uma.
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