O Correio da Manhã, jornal que infelizmente se
«acordizou» no inicio deste ano – e que dessa forma perdeu um leitor assíduo –
de vez em quando (e já não é a primeira vez) tem dilemas existenciais no que à
ortografia adoptada, ou «adotada» conforme o (mau) gosto, diz respeito. A
edição de ontem, dia 20 de Junho de 2013 é disso exemplo. Uma notícia dá conta
de falhas nos sistemas informáticos de centros de saúde e hospitais do país
tendo como consequência dificuldades na prescrição de medicamentos e tem como
título «Informática pára centros de saúde» – devo dizer que o soube imediatamente
assim que pus os olhos nas garrafais letras do título pois este é claro mas
apenas porque ou houve recurso a um «truque» ou por desconhecimento do acordês(?).
Atentemos no «pára», pois é aqui que está a chave da questão e como tal vamos
parar aqui um pouco e reflectir. De acordo com o inenarrável «Acordo» – escrevo
sempre entre comas pois só Portugal é que o cumpre e qualquer acordo para o ser
tem que ser no mínimo consignado por duas partes o que não é o caso –
Ortográfico, o presente do indicativo do verbo parar na terceira pessoa do
singular «vê» o acento (que tem a função de «abrir» o som «a» da mesma forma
que «a» e «à» ou «e» e «é») «voar» transformando-se assim pára (Ele ou ela
pára) em para (Ele ou ela para) não se distinguindo assim da preposição «para»
que se escreve de forma igual, exactamente o mesmo que aconteceu com «cágado», a simpática tartaruga de água doce que o dito cujo encarregou de deixar «cagado» para além da cagada em que converteu a língua escrita; um crime de lesa-pátria, um ultraje. E se em determinados (poucos) contextos
consegue-se discernir, na maioria dos contextos fica-se sem saber se o «a» é
aberto ou fechado o que faz a diferença entre forma verbal e preposição. E como
tal, aqui é que a porca torce o rabo e em particular, torceu neste que é um dos
flagrantes casos que tornam a frase ambígua e divergente com dois sentidos
completamente díspares consoante se interprete o «para» como forma verbal ou
como preposição – e é legítima e altamente provável a dúvida. É que se o «para»
for interpretado como a forma verbal do verbo parar na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo, significa que a informática está a bloquear
os centros de saúde que assim ficam sem capacidade de resposta relativamente a
funções que dependem dos sistemas de computação. Se, por outro lado, o «para»
for interpretado como preposição o sentido da frase muda total e radicalmente,
significando esta que os centros de saúde vão ser abastecidos ou equipados com
material informático. Tem tudo a ver não tem? Quando nós sabemos que uma
simples vírgula altera totalmente o sentido de um texto e que no passado já
levou e levará a que acordos e negociações inclusive ao mais alto nível fiquem
bloqueados por horas e até mesmo dias por tão enganadoramente insignificante
coisa que o não é podendo sair caro como aliás se pode ver aqui, o que não dizer de um acento ou
de uma letra? Como também de pode ver, a titulo de exemplo, com a questão da lei autárquica onde ser presidente de Câmara ou Presidente da Câmara faz toda a diferença e muda completamente o âmago da lei tornado-a terrivelmente ambígua e sujeita a interpretações díspares e que já fez, faz e irá continuar com toda a certeza a fazer correr rios de tinta. Não é à toa que tribunais e magistrados resistem à catástrofe acordista proibindo-a mesmo. Exemplos não faltam. Fazia falta a muita gente
ter tido Gramática na Escola Primária como eu tive bem como um Professor de
Português como o que eu igualmente tive no 8º ano no já longínquo ano lectivo
de 89/90 que numa manhã quente de Maio me deu a mim (pelo menos a mim deu) e
aos meus colegas uma magistral lição da qual nunca mais me esqueci, sobre a real
importância da pontuação e de como esta é determinante e altera completamente
uma frase não servindo apenas para embelezar e promover uma escrita com estilo,
com uma simples estória (não sei se verdadeira se falsa): a estória do «MORRA
SALAZAR NÃO FAZ FALTA À NAÇÃO». Conhecê-la-ão as eminências pardas que por aí
andam a promover a coisa? Se não conhecem, deviam.
Mas voltando ao
que interessa, se não fosse o acento e nos ficássemos, fosse pelo que fosse,
apenas pelo título (se este estivesse totalmente em acordês o que não é o caso)
ficaríamos sem saber o que se está a passar nos centros de saúde. Bloqueados
pelos sistemas informáticos ou equipados com material informático? Giro não é? É
isto evolução; argumento usado por este jornal no início deste ano para
justificar a aderência ao «acordês» e o abandono do português?! Não há dúvida
que a ortografia melhorou e se clarificou. Nada de ambiguidades! Eis a prova:
clarinho como a água cristalina que sai de uma conduta de esgoto. Ou como agora
está em voga: limpinho.
Ironias à parte, até porque esta desgraça que caiu em
cima da ortografia portuguesa – já agora, quem gostar e saber desta igualmente
bela forma antiga, também poderá escrever «ortographia portugueza» – de
engraçado pouco ou nada tem, e perante um bico d’obra desta dimensão em que é
que ficamos? Bem, neste caso, cientes (ou não) de tão confrangedora situação resolveu-se
o problema facilmente (repito, se quem o fez é um acordista fluente) com uma ligeireza
e manhosice que até assusta (a mim assustou). Pôs-se o acento no «para» e
pronto «tá» resolvido – não me canso de repetir, até porque me recuso a
acreditar em sancta simplicitas, que parto
do princípio que quem assim escreveu (autor do artigo, redacção…) sabe escrever
«acordês» correcto… ou «correto» para não destoar.
Ora o Correio da Manhã (neste caso) ou lá quem for (seja
entidade singular ou colectiva) não pode ser «acordista» só quando convém ou
ser «acordista» às Segundas, Quartas e Sextas e deixar de ser «acordista» às
Terças, Quintas e Sábados – sendo que o Domingo é para descansar até porque
isto de ser voluntariamente bipolar cansa a moleirinha.
Mas vendo as coisas por outro prisma há aqui algo
ainda mais confrangedor que me deixa bem mais deprimido, apreensivo diria mesmo
estupefacto, siderado com o estado a que Portugal chegou. Na verdade
convenço-me mais de que por cá, regra geral, os melhores das duas uma: ou estão
desempregados ou emigraram (ou melhor dizendo, fugiram a sete pés deste país
que em tempos que já lá vão foi classificado como um manicómio em autogestão)
faltando – e muito – inteligência, bom-senso e falta de sentido prático nos
espíritos que por cá andam. Na verdade, se o dilema está no para/pára, o caso
seria perfeitamente contornável se alguém tivesse sido perspicaz e prático
poupando-se este que é (era?) um jornal de referência a um embaraço que não
deixa de o ser e poupar-me-iam a mim o tempo que levei a escrever este
arrazoado de palavras – até porque assim que vi tal coisa senti-me violado na
minha consciência e como tal não pude nem quis ficar mudo e quedo. Bastava tão
só substituir a polémica palavra por um sinónimo (o ideal era substituir a
grafia mas infelizmente já era pedir demais) e o caso estava arrumado. Era
difícil? Bem, eis alguns exemplos:
- INFORMÁTICA TRAVA CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA DETÉM CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA DEIXA REFÉNS CENTROS DE
SAÚDE
- INFORMÁTICA PARALIZA CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA IMOBILIZA CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA BLOQUEIA CENTROS DE SAÚDE
Era à escolha do freguês. Simples, inteligente e
prático – aliás é o que eu pessoalmente faço mesmo quando apenas estou em
dúvida se determinada palavra que na ocasião escrevo está ou não correcta e não
tenho um dicionário à mão. Substituo a palavra, cuja escrita me deixa dúvidas
no meu espírito, por um sinónimo ou expressão equivalente e pronto.
E depois há muita gente a admirar-se dos jornais
escritos estarem a perder cada vez mais leitores, em Portugal. Pudera !
Para além do facto da Internet ser um veículo mais eficaz e barato de
transmitir notícias (inclusive sem filtros), quem se dispõe a desembolsar uma
dada quantia por um determinado produto põe como condição e assegura-se que
este é de relativamente boa qualidade. E assim vamos por cá. O tempora! O mores!
Sem comentários:
Enviar um comentário