Esta é uma daquelas matérias que passam despercebidas porque aos munícipes tal assunto pouco diz mas tendo em conta que foi dito de forma taxativa, na reunião de Câmara que decorreu no passado dia 12 de Junho, que a chave do desenvolvimento do concelho de Alcácer do Sal estava na alteração da carta da Reserva Ecológica Nacional (REN) no território do concelho e que o que existia antes era um factor impeditivo para o investimento no concelho de Alcácer do Sal, vamos aqui tecer algumas considerações sobre o assunto.
Antes de mais, convém dizer que a Reserva Ecológica Nacional (REN), criada pelo Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho, tem contribuído para proteger os recursos naturais, especialmente água e solo, para salvaguardar processos indispensáveis a uma boa gestão do território e para favorecer a conservação da natureza e da biodiversidade, componentes essenciais do suporte biofísico do nosso país.
Ora como se viu, a Câmara pretende alterar a carta da REN no concelho mas pelos vistos ou não conhece a legislação sobre a matéria ou então quer fazer passar junto da população, à laia de propaganda barata, algo que não é de todo verdade. Quanto à legislação, ei-la aqui. Quem quiser pode consultar o Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de Agosto.
Refere o site do município que a «Câmara Municipal procedeu à alteração da Carta da Reserva Ecológica do concelho». Ora a Câmara Municipal não procedeu à alteração de coisíssima nenhuma simplesmente porque isso não é da sua competência.
No Facebook da CMAS também o assunto foi noticiado
Na página do município, a notícia de que a Câmara altera a carta da REN
A delimitação da REN compreende dois níveis; o Nível Estratégico e o Nível Operativo.
O
nível estratégico é concretizado através de orientações estratégicas de
âmbito nacional e regional. O nível operativo é concretizado através da
delimitação, em carta de âmbito municipal, das áreas integradas na REN,
tendo por base as orientações estratégicas de âmbito nacional e
regional.
À Câmara Municipal compete tão somente elaborar uma proposta de delimitação, a nível municipal, a qual pode ser ou não aprovada, devendo as comissões de coordenação e desenvolvimento regional e as administrações de região hidrográfica fornecer-lhe a informação técnica necessária e competindo às primeiras assegurar o acompanhamento assíduo e continuado da elaboração técnica da proposta de delimitação pelo município. A Câmara Municipal apresenta a proposta de delimitação à comissão de coordenação e desenvolvimento regional, a qual procede à realização de uma conferência de serviços com todas as entidades administrativas representativas dos interesses a ponderar, a qual pode ser acompanhada pela Câmara, finda a qual é emitido um parecer após o qual a comissão de coordenação e desenvolvimento regional tomará uma decisão.
Portanto, como se vê, quem de facto altera não é a Câmara Municipal.
Em casos excepcionais devidamente fundamentados e quando haja divergência entre as posições das entidades representadas na conferência de serviços e a posição final da comissão de coordenação e desenvolvimento regional favorável à delimitação proposta, essas entidades podem promover, no prazo de 15 dias, a consulta à Comissão Nacional da REN, para efeitos de emissão de parecer, dando conhecimento à comissão de coordenação e desenvolvimento regional e só após a emissão de parecer pela Comissão Nacional da REN, a comissão de coordenação e desenvolvimento regional pode ponderar a sua posição final.
Quanto a este ponto estamos esclarecidos.
Mas mais importante ainda, convém salientar algo que não é de forma alguma nada despiciendo. É que a Câmara foi lesta a publicitar a alteração da REN no concelho, atribuindo-se competências que de forma alguma tem mas não foi lesta a fazer aquilo que lhe competia.
Então pretende-se alterar a carta da REN no concelho sem a devida informação e discussão pública?
Ora o Decreto-Lei nº 166/2008, de 22 de Agosto, no seu artigo 6º (Direito à informação e à participação) é bastante claro e inequívoco e diz o seguinte:
Ao longo da elaboração das orientações estratégicas de âmbito nacional e regional e da delimitação da REN a nível municipal, as entidades públicas competentes devem facultar aos interessados, nos respectivos sítios da Internet, todos os elementos relevantes para que estes possam conhecer o estádio dos trabalhos e a evolução da tramitação procedimental, bem como formular observações, sugestões e pedidos de esclarecimento.
Ora dando uma volta pelo sítio do município, não se vislumbra o que quer que seja sobre a matéria. Onde está a informação e, mais importante, onde está a participação? Pedimos desculpa se a houve mas a ter existido, deve ter sido muito incipiente pois mal demos por ela.
O que é facto é que aos munícipes foi dada a informação da alteração da carta da REN mas isso é muito vago. Alteração significa exactamente o quê? Foi proposta uma diminuição ou um aumento da área da REN? Em que local ou locais do concelho, vão incidir as alterações? Porque não são publicadas as cartas? E para além disso, para além dos clichés, dos chavões, dos lugares-comuns, ainda não sabemos qual a justificação que permite concluir que esta alteração vai de facto desbloquear o investimento no concelho. Em que permissas se baseiam? Qual a real necessidade de alterar a área da REN no concelho? E, já agora, que tipo de investimento? Compra e venda de terrenos para habitação - sim, estamos a pensar em especulação imobiliária - ou terrenos para implementar tecido industrial? E que tipo de indústrias? Defina-se investimento neste contexto! É que nas áreas incluídas na REN são interditos ou usos e as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em:
a) Operações de loteamento;
b) Obras de urbanização, construção e ampliação;
c) Vias de comunicação;
d) Escavações e aterros;
e) Destruição do revestimento vegetal, não incluindo as acções necessárias ao normal e regular desenvolvimento das operações culturais de aproveitamento agrícola do solo e das operações correntes de condução e exploração dos espaços florestais.
A Câmara Municipal de Alcácer do Sal socorreu-se do professor Sidónio Pardal, da Universidade Técnica de Lisboa, e da sua equipa, para, conjuntamente com os técnicos municipais, proceder à referida alteração. Entretanto foi elaborado um trabalho do qual rigorosamente nada se conhece. Porque não é o trabalho, ou pelos menos as suas linhas mestras, publicado?
Basicamente, o trabalho consistiu em alterar a área da REN no concelho. Até aí não há complexidade nenhuma.
Diz a lei que na elaboração da proposta de delimitação da REN deve ser ponderada a necessidade de exclusão de áreas com edificações legalmente licenciadas ou autorizadas, bem como das destinadas à satisfação das carências existentes em termos de habitação, actividades económicas, equipamentos e infraestruturas e que as cartas de delimitação da REN a nível municipal são elaboradas à escala de 1:25 000 ou superior, acompanhadas da respectiva memória descritiva, e delas devem constar:
a) A delimitação das áreas incluídas na REN, indicando as suas diferentes tipologias de acordo com o artigo 4.º;
b) As exclusões de áreas, nos termos do número anterior, que, em princípio, deveriam ser integradas na REN, incluindo a sua fundamentação e a indicação do fim a que se destinam.
Até aí não parece haver nada de mais. O professor Sidónio Pardal sublinhou a extrema dificuldade do trabalho devido às contradições e dificuldades legislativas. Estaria certamente a referir-se à complexa legislação em matéria de Planeanento e Gestão do Território. É que as áreas da REN são identificadas nas plantas de condicionantes dos planos especiais e municipais de ordenamento do território e constituem parte integrante das estruturas ecológicas municipais.
Grosso modo, as alterações vão ter que encaixar nas condicionantes decorrentes dos chamados PEOT, Planos Especiais de Ordenamento do Território, PS, Planos Sectoriais e dos PMOT, Planos Municipais de Ordenamento do Território, nos quais se englobam os PDM (Plano Director Municipal), PU (Plano de Urbanização) e PP (Plano de Pormenor).
Ora o trabalho aqui publicado, mostrou que «o sistema português de planeamento e ordenamento do território, ao invés de ser coerente e
estruturado, é complexo, sendo composto por diversos planos e
estratégias cuja interpretação, interligação, articulação,
condicionalismos e estrutura nem sempre são coerentes entre si devido à
sobreposição de planos de diferente natureza entre outros problemas os
quais se ficam a dever principalmente a quatro factores: um quadro
legislativo extrema e demasiadamente complexo; falta de transparência em
torno de todo o processo; constantes atrasos na elaboração,
transposição e aplicação das medidas; e finalmente, uma população
desinformada e desinteressada de todo o processo», tudo factores que se verificam precisamente neste processo em particular. No referido trabalho concluiu-se ainda que, relativamente a esta matéria, a área do concelho de Alcácer do Sal é de dificuldade acrescida por muitos serem os instrumentos de planeamento e gestão do território, que aqui vigoram e se sobrepõem. E mais, ficou ainda demonstrado que o PDM de Alcácer do Sal está bastante desactualizado e tem que forçosamente elaborar-se um novo plano. Ora o artigo 15º do supra-citado decreto-lei permite que a delimitação da REN possa ocorrer em simultâneo com a elaboração, alteração ou revisão de PMOT. Deste modo, pergunta-se: Porque não aproveitar e proceder a elaboração de um novo PDM? Até porque a delimitação da REN elaborada em simultâneo com o plano municipal de ordenamento do território determina a revogação e consequente actualização da carta municipal da REN.
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