“Deixe-me só descrever o momento após o anúncio do resultado. Fiz uma declaração no ministério das Finanças e fui encontrar-me com Alexis Tsipras e o resto do governo ao Maximos [residência oficial do PM grego]. Estava exultante. Aquele ‘não’, inesperado, foi como um raio de luz que perfurou uma escuridão demasiado densa (…). Mas no momento em que entrei no Maximos o sentimento desapareceu. A atmosfera também estava eléctrica, mas carregada negativamente. Parecia que o governo tinha perdido o apoio do povo. A sensação que tive foi de terror: O que fazemos agora?”
O relato é de Yannis Varoufakis e foi dado pouco depois do referendo do início de Julho e já depois de ele próprio ter apresentado a demissão das Finanças, mas só agora é conhecido já que foi publicado na edição de Agosto da “Monthly”, uma revista australiana. O ex-ministro revela vários detalhes do pós-referendo e das consequências do mesmo.
A posição e a saída do governo. “Vi que ele [Tsipras] estava desanimado. Tinha sido uma tremenda vitória, uma que ele poderia saborear mas que não conseguia gerir. Ele sabia que o seu gabinete não conseguiria gerir a vitória. Era claro que havia elementos no governo a pressioná-lo. Em poucas horas já várias figuras proeminentes do governo queriam tornar o ‘não’ num ‘sim’, queriam capitular”, relata Varoufakis na conversa com a revista australiana.
A decisão de abandonar o governo foi tomada por esta altura: “Quando percebi isto, disse-lhe que tinha uma escolha clara a fazer: ou usar os 61,5% do ‘não’ para ganhar uma nova energia, ou capitular. E disse-lhe, antes que respondesse, que ‘se escolhes a última, eu saio’.”
A resposta de Tsipras foi igualmente clara: “Olhou-me e disse: ‘Sabes que eles nunca nos vão dar um acordo. Querem ver-se livres de nós’. E depois contou-me a verdade, que havia membros do governo a empurrá-lo para a capitulação. Estava deprimido.” Varoufakis decidiu-se assim pela demissão.
Questionado sobre a posição dos países do euro durante as negociações em que tomou parte, Varoufakis voltou a singularizar a posição do ministro alemão, Wolfgang Schäuble, único promotor activo da expulsão da Grécia do euro, acusa. “Não é má fé, é um plano. Chamo-lhe o ‘Plano Schäuble’. Está a planear a saída da Grécia do euro como parte do seu plano de reconstruir toda a zona euro. Não é uma teoria, foi ele que me disse.”
Austeridade? É um mero jogo. A análise de Varoufakis avança depois para o porquê de tanta austeridade depois de tantas provas de que ela falha, referindo que as medidas de austeridade não são mais que “um jogo político que a Comissão Europeia está a jogar para assustar os outros membros do euro”.
“É a forma de Schäuble conseguir extrair concessões da França e da Itália, é esse o jogo desde o início. O jogo é entre a Alemanha, França e a Itália”, avalia. “É uma estratégia para influenciar Paris e Roma, especialmente Paris, para aceitarem a criação de um modelo disciplinador e teutónico para a zona euro.”
Sobre os restantes peões neste jogo político, Varoufakis não tem grandes dúvidas: “É uma mistura de indiferença e interesses próprios. Para alguns destes, os programas de austeridade são o trabalho de uma vida, o seu pequeno bebé. É como o Frankenstein: é um monstro mas é o teu monstro. Têm as carreiras dependentes disto. Veja que o Poul Thomsen, que liderou o programa grego do lado do FMI entre 2010 e 2014, foi promovido a líder do departamento europeu do FMI por causa deste trabalho. Quando esta gente olha para os efeitos do que fizeram – como haver pessoas a procurar comida em caixotes do lixo e o desemprego explosivo – entram em funcionamento todos os seus mecanismos de auto-racionalização: ou dizem que não havia alternativa ou que a culpa é de quem não fez suficientes reformas.”
De salientar que Poul Thomsen, o premiado pelos programas de resgate na Grécia, foi também o líder da missão do FMI a Portugal, Fundo que também recebeu Vítor Gaspar, ex-ministro português, oferecendo-lhe um ordenado de 23 mil euros mensais livres de impostos.
Salários milionários dos técnicos. Além de Vítor Gaspar, a existência das troikas assegura também ordenados chorudos a centenas de “técnicos”, “consultores” e “especialistas” que orbitam à volta destas instituições. Disso mesmo deu conta Yannis Varoufakis na conversa com a “Monthly” agora publicada.
“Temos uma coisa chamada ‘Hellenic Financial Stability Facility’, uma ramificação do ‘European Financial Stability Facility’, fundo que recebeu 50 mil milhões para recapitalizar a banca grega. Este é dinheiro que os contribuintes gregos pediram emprestado para impulsionar a banca mas, enquanto ministro das Finanças, não me deixaram escolher o CEO e nem sequer podia participar nas relações do fundo com os bancos. O povo grego, que nos elegeu, não tinha assim qualquer controlo sobre como é que este dinheiro foi e é usado”, começa por apontar Varoufakis.
Depois de estudar a lei que criou estes mecanismos, “descobri que só tinha um poder sobre estes, que era o de determinar o salário desta gente. Percebi que os salários destes funcionários eram monstruosos para os padrões gregos. Num país com tanta fome e onde o salário mínimo foi cortado para 520 euros, esta gente ganhava qualquer coisa como 18 mil euros por mês”, revela.
Assim, “decidi exercer o meu único poder e usei uma regra muito simples: se as pensões e os salários caíram em média 40% desde o início da crise então decretei um corte de 40% nos salários destes funcionários. Mesmo assim ficavam com um salário elevadíssimo. Sabe o que aconteceu? Recebi uma carta da troika a dizer que a minha decisão tinha sido anulada pois não estava devidamente justificada. Ou seja, num país onde a troika insiste que as pessoas que vivem com 300 euros por mês devem viver com 100 euros por mês, recusaram o meu exercício de corte de despesas e anularam os meus poderes enquanto ministro para cortar os salários desta gente.”
Os problemas gregos. Na longa conversa tida com a “Monthly”, Varoufakis aborda também os problemas que levaram a Grécia até ao ponto actual. “Cleptocracia” é como o antigo ministro define o Estado grego.
“Enfrentámos uma imensa aliança de interesses instalados e de práticas oligárquicas, um verdadeiro triunvirato do pecado na Grécia: primeiro, os bancos, os bancos falidos que são mantidos vivos com o dinheiro dos contribuintes mas sem que os contribuintes possam dizer seja o que for sobre o que eles fazem. Em segundo lugar, os media, particularmente os jornais e os meios electrónicos, que também estão falidos. Mas são controlados pelos bancos, que usaram o dinheiro do resgate para apoiar os jornais e assegurar que cumprem o seu papel de propaganda. Em terceiro lugar, os interesses associados aos investimentos públicos.”
Para explicar este último ponto, o ex-ministro lembra que o custo de construção de um quilómetro de auto-estrada na Grécia é três vezes mais do que na Alemanha ou França, “e não é porque as pessoas trabalham menos ou são menos eficientes… Se querem saber o porquê, vejam o Norte de Atenas e estudem as villas sumptuosas e quantos donos e presidentes dessas empresas vivem por lá”, atira.
Fonte: Jornal i
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