terça-feira, fevereiro 24, 2015

25 de Abril sempre?







Todos os dias o executivo municipal que nos coube em sorte - e ainda assim, verdade seja dita, é o menos mau - fornece-nos motivos de gáudio que amiúde se transformam em doses cavalares de tristeza e amargura quando não de apreensão e estupefacção.
Vem isto a propósito de uma proposta de análise e votação referente à aplicação de uma sanção pecuniária (multa, para quem tiver dificuldades com o Português) a um funcionário camarário a quem lhe foi aberto um processo disciplinar por alegadamente ter faltado aos deveres de obediência, zelo e assiduidade, discutida e aprovada na última reunião de Câmara a qual teve lugar no passado dia 12 de Fevereiro.
Até aqui tudo muito bem não fossem as arbitrariedades e a dualidade de critérios do costume que são cometidas de forma leviana, cremos por cândida ignorância, e a forma implacável com que se pune passando por cima de princípios basilares de um Estado de Direito que Portugal ainda é (?) e que todos aqueles que têm a pretensão de ocupar um cargo público e aqueles que efectivamente são titulares dos referidos cargos deveriam ter não apenas por imperativo moral mas sobretudo por dever quase sagrado.

Vamos a factos e vamos centrar-nos apenas na questão dos bons princípios éticos, constitucionais e democráticos que deveriam ter prevalecido e norteado a acção de um executivo que se vai afundando nas suas próprias contradições e assim se vai em simultâneo fragilizando a olhos vistos ao longo do tempo. Vamos também estabelecer paralelismos com as normas e formalismo jurídico pois embora uma coisa seja o funcionamento da justiça e outra seja um processo disciplinar interno de uma instituição, o princípio é exactamente o mesmo. Alguém é acusado de cometer uma infracção às normas e regulamentos existentes, é-lhe aberto um processo, é realizado um inquérito, é deduzida (ou não) acusação baseada em argumentação fundamentada e por fim, a decisão de condenar ou absolver e em caso de ser dada como fundamentada a acusação, a sanção a aplicar. Princípios similares, formalismos diferentes. Portanto não se estranhe nem se ache exagerado tal paralelismo.
De sublinhar vincadamente ainda que este artigo não é de forma alguma uma tese de defesa ou de acusação até porque nem procuramos ser advogados de ninguém ainda para mais porque aqui ninguém é licenciado em Direito pese embora o facto de que os princípios básicos e as normas jurídicas mais triviais e os princípios constitucionais sobre os quais assentam a democracia e o Estado de Direito são do nosso pleno conhecimento coisa que admiravelmente não se verifica com outros. Tudo o que se pretende com este artigo é discutir princípios éticos e democráticos e pôr em evidência um, a nosso ver, rol de arbitrariedades próprios de instituições políticas do Terceiro Mundo e que fariam corar muitos regimes autoritários.

Ao que tudo indica, e é uma evidência, ao referido funcionário terá sido aberto um processo disciplinar pela entidade patronal - a Câmara Municipal de Alcácer do Sal - sendo este acusado das infracções acima referidas.
Até aqui tudo certo isto partindo do princípio que a este lhe foi dada oportunidade de se defender na «fase de inquérito» digamos assim, sendo convocado para prestar declarações, dizendo de sua justiça, como aliás é de lei. Posto isto, e indo o processo em frente, chega a altura do caso «ir a julgamento», isto é, ir a reunião de Câmara onde os vereadores irão tomar uma decisão que, ressalve-se, não é de forma alguma - como nenhuma decisão desta natureza é - uma decisão política mas apenas uma mera decisão administrativa.
E é aqui que começam - se é que é aqui e não mais atrás, coisa que não nos surpreenderia - que se faz tudo ao arrepio da mais elementar justiça, do bom senso, do sentido de ética e do sentido de quem deveria nortear-se por princípios democráticos próprios de um Estado de Direito. É que ainda que do ponto de vista legal tudo tenha sido seguido com o devido preceito, do ponto de vista ético e moral tudo isto deixa muito a desejar.
Indo o caso ao conselho de vereadores para ser decidido, era imperioso que o referido funcionário fosse notificado para, em primeiro lugar ter conhecimento de uma decisão que lhe diz directamente respeito mas também para o informar de que estava dispensado das suas tarefas para, obviamente, conseguir estar presente de forma a que pudesse, se assim o entendesse, usar da palavra para se puder defender publicamente das acusações que lhe foram imputadas. É o mínimo que se tem que obrigatoriamente fazer: Dar a conhecer a data da decisão do desfecho do seu processo ao arguido e criar condições para este estar presente - a título facultativo e não obrigatoriamente, como é óbvio.
Terá tal sido feito? Claro que não! Revelamos aqui e agora que quem informou o funcionário foi o autor deste blog o qual lhe garantiu que não sabia de nada nem recebeu qualquer notificação e que sendo assim iria estar presente na reunião, como aliás veio a estar. 
Tudo iria ser feito nas suas costas. Bonito! Toma lá que é democrático, como dizia o outro.
Adiante.

Não sendo notificado mas estando ali presente, era dado adquirido que quando se chegasse a este ponto da ordem de trabalhos antes de mais fosse dada a palavra ao funcionário acusado para este usar da palavra e fazer a sua defesa pública se assim o entendesse. Como ninguém no entanto lhe disse patavina ele tomou a iniciativa de pedir a palavra e eis que, contra tudo o que se poderia imaginar, o direito elementar e básico de defesa pública foi-lhe negado sem apelo nem agravo.
Nas reuniões públicas de Câmara está estipulado que o público intervém apenas no chamado período antes da ordem do dia, isto é, antes dos assuntos da ordem de trabalhos serem discutidos. Ora foi precisamente esse o motivo a que quem presidia a reunião - a sra. Vice-Presidente da Câmara - deitou mão usando o argumento esfarrapado de que o funcionário em questão nessa altura não pediu para usar da palavra.
O surrealismo de tal argumento radica em dois pontos:
Primeiro, não fazia qualquer sentido pedir a palavra quando o assunto não estava a ser discutido. Era absurdo e ficava totalmente desenquadrado. Segundo, e aqui é que reside o embaraço maior pois neste ponto fica totalmente a nu a parcialidade, a dualidade de critérios na medida em que já havia um precedente e, atente-se, já durante este mandato, ao ter sido atribuída a título excepcional a palavra ao «público»... nesse caso, convinha.
Quem esteve na reunião de Câmara no passado mês de Junho, reunião essa onde o projecto de alteração da carta da REN foi posto à discussão, recordar-se-á ou pelo menos deveria recordar-se que estava entre o público o responsável técnico pelo projecto, o professor universitário Sidónio Pardal. Ora é bom de ver que o referido académico não tem dotes de adivinho e não estava ali porque adivinhou que ia haver uma reunião de Câmara. Na verdade, o sr. Presidente da Câmara, quando se chegou a esse ponto da ordem de trabalhos, referiu explicitamente que tinha pedido ao professor Sidónio Pardal para estar presente nessa sessão para que os eleitos antes de votarem e decidirem soubessem aquilo que iam votar daí que lhe seria dada - como aliás foi - a palavra a título excepcional. Ora em relação à alteração da carta da REN o executivo permanente fez questão de que todos os vereadores antes de votar soubessem mais pormenores e ouvissem as palavras do professor Sidónio Pardal, que dissertou em público na defesa do projecto e no entanto, em relação ao sr. Tanoeiro, não só não o informaram e instaram a comparecer como ainda por cima lhe negaram o direito de se defender publicamente e desta forma impediram que todos (público e vereadores) ouvissem o que o homem tinha para dizer.
Embora ambos os assuntos não tenham rigorosamente nenhum ponto em comum ainda assim invocamos este caso para demonstrar inequivocamente a dualidade de critérios e que afinal é possível o «público» intervir ainda que a título excepcional bastando apenas que lhe seja dada a palavra. Infelizmente as pessoas (mas não todas) têm, como se costuma dizer por estas bandas, memória de peixe e depois cometem erros gravíssimos e contradições desta natureza. Inqualificável!
Mas não lhe sendo dada a palavra não deixa de ser deveras estranho nenhuma vereadora da oposição exigir que fosse dada a palavra ao homem não só para este se defender como para ouvirem de sua justiça para também aqui, à semelhança da carta da REN, antes de votar dispusessem de mais informação até porque aqui ainda seria mais importante pois estava-se a decidir uma penalização e era importante, pensamos, ter o máximo de dados possível para votar em consciência.
Por acaso tomaram a iniciativa, antes que a reunião tivesse lugar, de procurar o funcionário no sentido de ouvir da sua boca os argumentos em sua defesa? Não parece.
Mais interessante ainda é que ninguém da oposição, já na reunião, inquiriu os vereadores permanentes ou mesmo o funcionário que ali estava. Poder-se-á usar como justificativo que tudo estava no processo, que este estava fundamentado, que o funcionário já tinha sido ouvido e as suas declarações constavam na documentação que lhes foi facultada. Pois muito bem mas, mais uma vez estabelecendo paralelismo, se as coisas fossem assim então na área da justiça bastava ao juiz ler o despacho de acusação e pronto decidia. Afinal de contas as declarações do arguido constam dos autos produzidos durante a chamada fase de inquérito. No entanto aí os acusados estão presentes e quem vai decidir a sentença ouve-os como é óbvio. A defesa também tem que se fazer ouvir. É absolutamente obrigatório num Estado de Direito!!! 
Neste caso, as senhoras vereadoras votaram única e simplesmente com base na tese do acusador. 
Sim senhor! Curioso até porque houve quem já tivesse contacto com a justiça e portanto já se deveria saber como a coisa funciona. Infelizmente houve quem nada aprendesse nomeadamente com casos mais recentes e cometeram o mesmo erro: pensarem que eram «favas contadas». Puro engano e ainda como bónus a coisa deu na altura direito a repreensão vexatória pela juíza e tudo. 
Seja como for, ninguém quis ouvir este homem antes de o punir. Porquê? Porquê este silêncio então? Curioso e bizarro!
Mas há mais.
A facilidade assombrosa com que se pune, o gosto quase sádico de quem tem uma nesga de poder e para quem um acusado é um culpado a ser punido de forma implacável sem atentar nos mais elementares princípios é aterrador.
Depois disto tudo ainda falta saber uma coisa? Saberá esta gente o conceito de agravantes e atenuantes?
Quando se aplica uma pena, uma sanção, uma punição - tudo sinónimos - tem que se ter em conta determinados factores os quais irão pesar no sentido de agravar ou atenuar esta. Factores como o tempo de serviço, se há ou não reincidência da parte do infractor, isto é, se é a primeira vez que incorre num processo disciplinar ou não, a folha de serviços, a assiduidade, o comportamento, a interacção com chefias, colegas e mesmo público, se existem ou não louvores e prémios de mérito anteriormente atribuídos... enfim, uma série de factores que devem (ou deveriam?) ser tidos em conta.
E por fim, poder-se-á pensar que tudo isto é irrelevante. Não é e é uma leviandade assim pensar. Processos desta natureza não morrem aqui. Em casos desta natureza, em termos gerais, qualquer funcionário a quem tenha sido aplicado um processo disciplinar e que se considere lesado, que considere que o processo está inquinado, que não teve um tratamento justo, em suma, que existem irregularidades, pode recorrer da decisão de duas formas: o recurso hierárquico ou, mais importante ainda, o recurso contencioso, isto é, a possibilidade de interpor uma acção judicial contra a entidade empregadora a qual, se forem provadas as irregularidades, será condenada (embora esta também possa recorrer se as decisões lhe forem desfavoráveis e se assim o entender) a não só devolver o valor pecuniário ao arguido como ainda eventualmente será obrigada a ter que o ressarcir dos eventuais danos. Pois é. Num Estado de Direito que funcione não há «favas contadas» nem vitórias certas dos «Golias» contra um qualquer «David» e em boa verdade se diga, a Câmara Municipal de Alcácer do Sal já foi condenada em tribunal no passado em processos de natureza similares. E depois quem paga as custas e demais despesas fruto de decisões em muitos casos tomadas de forma leviana e irresponsável? Pois... quem será? 

Como corolário de todo este rocambolesco episódio se há coisa que salta à vista e ilação que se pode tirar é a de que este é apenas mais um (talvez o mais flagrante) a juntar a já muitos outros casos em que este executivo cai no ridículo com decisões infelizes e devastadoras que constituem prova evidente da falta de normas ideológicas, de competência e bom senso e da perda de sentido da razão, para ser mais ameno.
Quanto à oposição, esta não é melhor pois não só se limita a reagir, seguindo a reboque e sem capacidade de iniciativa, sem capacidade de encostar o executivo «às cordas» como ainda cai nas armadilhas que lhe são montadas ou, pior ainda, cai nas suas próprias armadilhas. Na verdade, estão bem uns para os outros.
Seja como for, Alcácer do Sal precisa de uma outra oposição, uma oposição inteligente, descomprometida, credível e com ideias que obrigue esta espécie de executivos municipais a fazer mais e melhor e a cumprirem com os compromissos que assumem durante as campanhas eleitorais e, mais: a serem ainda e sobretudo dotados de bom senso, de sentido de responsabilidade, de ética e, acima de tudo, leais cumpridores das normas de um estado europeu dito de Direito que somos - ou pelo menos deveríamos ser em toda a sua plenitude - e que se possa constituir como alternativa válida. Até lá, este concelho nunca ou muito dificilmente sairá da cepa torta.





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