Porque estamos em período de eleições autárquicas, altura
em que mais do que nunca certos políticos procuram promover-se e serem
populares a todo o custo, vamos falar hoje, aqui e agora de um método que é dos
mais usados. É dos mais usados porque é simples de executar e porque tem dado
resultado e tido aceitação, até à data, junto do povo. Não é um método moderno,
não. Na verdade já tem bastantes séculos, cerca de vinte. Bem, pelo menos foi
registado pela primeira vez há dois mil anos. É um método que começou, pelo
menos o primeiro que conhecemos, no antigo Império Romano: chamavam-lhe «Panem et circensis»; a política do pão e circo. Mais uma vez, não há nada de novo
debaixo do sol!
A política do pão e circo
A política do pão e circo foi uma política criada,
como se disse atrás, pelos romanos, e consistia no fornecimento de comida e diversão
ao povo com o objectivo de diminuir a insatisfação popular contra os
governantes. Trata-se desta forma de uma política (simples e eficaz) de
manipulação da opinião pública. Manipulação é por definição influenciar pessoas
para benefício pessoal – ao contrário de autoridade (característica fundamental
de liderança) que mais não é do que procurar influenciar pessoas para benefício
comum.
O recurso a esta política serve também como forma
de aferir, de medir o grau de insatisfação popular na medida em que quanto mais
a ela se recorre, quanto maiores e mais grandiosos forem os espectáculos e
quanto mais abundante for a comezaina atirada ao povo maior é a contestação e
impopularidade e mais inseguros, nervosos e desesperados os governantes estão, procurando
nesta, a derradeira forma de reconquistarem a confiança perdida nomeadamente em período eleitoral.
E se quando apenas são oferecidos espectáculos –
muitos são-no ao longo do ano – prática levada a cabo durante um mandato e,
diga-se mesmo, até alguns devem ser promovidos nomeadamente durante as festividades
típicas de determinada região, ainda aqui não vem mal nenhum ao mundo. Já
quando há a necessidade de oferecer comida com a agravante de ser em
determinadas alturas significa claramente que algo vai verdadeiramente muito mal e que o desespero é grande pois que quem está no poder tem a perfeita consciência de que o seu mandato e as suas políticas foram uma catástrofe,
um fracasso total e absoluto e que a confiança que pediram junto do eleitorado foi lamentável e irremediavelmente traída.
E se durante séculos, devido às enormes privações,
nomeadamente fome devido à extrema pobreza e escassez de alimentos, à
ignorância, ao analfabetismo e à falta de informação, e como consequência à
elevada facilidade de manipulação do povo, tal prática dava geralmente bons resultados, hoje,
com a informação que há e graças à menor necessidade, só se deixa manipular
como um fantoche quem quer.
Mas como infelizmente a natureza humana não muda – e aí é que está o segredo – infelizmente o povo continua a deixar-se manipular, a deixar-se enganar, a permitir que lhe enfiem os dedos pelos olhos dentro. Não
é por acaso que tal prática ainda hoje é muito usada em todo o mundo e por qualquer
político ou regime sejam eles de que natureza forem.
Constata-se ainda que estas práticas estão mais enraizadas em países, e dentro destes, em regiões, menos desenvolvidos e onde o
caciquismo político está mais bem implementado e tem a sua máxima expressão.
Mas o que é isso de caciquismo político?
O caciquismo político
Certamente que já muitos ouviram falar na
comunicação social em caciquismo. A palavra cacique é originária do dialecto
aruaque (Haiti) e significa chefe político. Tanto em Portugal como essencialmente
na Espanha e no Brasil (onde surgiu também o fenómeno do coronelismo, muitas
vezes retratado nas novelas), o termo cacique tornou-se sinónimo de líder
partidário que domina ou influencia uma determinada região e que arregimenta,
que arrebanha, votantes ou eleitores como se fossem gado, com base na troca de
favores (clientela ou clientelismo político).
Como é bom de ver, o caciquismo, embora
relativamente mais moderno, é uma realidade com mais de cem anos. Na verdade,
em 1884, o termo caciquismo foi incorporado no dicionário da língua castelhana
e definido como sendo:
- Domínio ou influência do cacique de uma localidade ou município
- Intromissão abusiva de uma pessoa ou de uma autoridade em determinados assuntos valendo-se do seu poder e influência.
As medidas geralmente adoptadas para combater o fenómeno do caciquismo ao longo do tempo foram essencialmente:
- O uso de cabine eleitoral por forma a garantir o voto secreto (eleições geram caciques e caciquismo mas também permitem acabar com o fenómeno se o eleitorado for devidamente esclarecido e/ou se estiver terrivelmente saturado);
- Proibição de reuniões em jornadas tanto eleitorais como laborais;
- Lei Seca, que consistia na proibição de venda de bebidas alcoolicas em dias prévios ás eleições para evitar que os caciques usassem o alcool para captar ou sobornar a sua clientela política.
Actualmente as medidas adoptadas restringem-se principal e exclusivamente à primeira até porque os caciques hoje em dia usam métodos mais sofisticados para tentar captar votos e subornar a sua clientela política.
Análise e conclusão
Pensemos portanto e depois desta discussão no
seguinte: Será que tem algum valor algo que é «oferecido» nestas condições?
Em primeiro lugar nada é oferecido na medida em que
o poder (estes eventos são organizados na esmagadora maioria das vezes por políticos
que estão no poder) se serve geralmente e em boa parte dos dinheiros públicos (não esqueçamos que os partidos políticos são subvencionados pelo Estado), do dinheiro dos
contribuintes para organizar este tipo de eventos – daí a palavra oferecido
estar entre aspas. Em segundo lugar, tais actos não têm, ou não deviam ter,
valor por uma razão muito simples: Não são oferecidos de forma genuína, não são
oferecidos do fundo do coração, não são oferecidos de forma desinteressada. São
ofertas cavilosas, são ofertas dadas com segundas intenções, são ofertas mas
com um objectivo, com a intenção de querem algo em troca, com a intenção de
subornar, de comprar indivíduos. Ofertas dessas não têm valor absolutamente
nenhum. Nem que distribuíssem barras de ouro quanto mais quando apenas oferecem
regra geral um copo de cerveja e um bocado de carne gordurosa num pedaço de
pão. Há quem queira comprar barato e há infelizmente quem se venda por tão
pouco.
Tem mais valor um pedaço de pão bolorento dado de
forma espontânea, dado do fundo do coração, dado com gosto, do que lagosta dada
com segundas intenções, com o objectivo de cobrar algo em troca.
Estamos em período eleitoral e vemos acontecer nas
nossas terras este tipo de práticas. Agora pergunta-se: Porque é que quem
oferece estas petiscadas não o fez antes? Sim, porque é que não o fez no ano
passado; ou no outro ano, por exemplo? Porque é que não fazem estas ofertas
depois das eleições? Sim, depois das eleições, quer ganhassem quer perdessem como
forma de agradecer ao povo. Em caso de vitória, por lhes ter sido dada mais uma
oportunidade ainda que eventualmente não merecida; em caso de derrota, como
forma de agradecer igualmente ao povo pelos anos que estiveram no poder, pela
confiança que antes lhes foi entregue... em suma, por tudo. Se a intenção fosse
oferecer de forma despretensiosa e genuína nada mais importava. Agora quando se
convida quase pedindo pelo amor de Deus e nestas condições será que tais actos
têm valor e são genuínos?
Pensemos nisto.
Sem comentários:
Enviar um comentário