segunda-feira, outubro 30, 2017

Conversas Subversivas - Especial



O tema da conversa de hoje, feita a partir da Falperra, um dos locais fustigados pela mais recente vaga de incêndios.
Complementam-se e desenvolvem-se aqui os pontos focados o que não feito ali para não tornar demasiadamente longa a exposição em vídeo.

Ponto 1 - Era difícil resistir

Em Pedrógão, e apesar das tentações e pulsões, e devido à censura da opinião pública, ainda houve algum recato mas desta vez perdeu-se a vergonha toda. Nas redes sociais o regabofe foi total. Mais uma vez, e tal como já referido noutras ocasiões, reduz-se o problema à governação esquecendo nomeadamente a ciência e outros factores. De forma acrítica e irracional aborda-se o tema como quem aborda um jogo de futebol. Na verdade, o próprio relatório do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais é sobre isso bem explícito na seguinte passagem: "As redes sociais suportaram um amplo debate sobre o tema, considerando-o sob as mais diversas perspectivas. O próprio debate político foi muitas vezes centrado na tragédia de Pedrogão, nem sempre na busca de consensos ou de posições construtivas, mas antes no sentido de explorar de modo parcial os trágicos acontecimentos e os sentimentos que haviam suscitado."
O espírito de facção, sempre presente, não contribui certamente para melhorar o que quer que seja mas apenas causa ruído  e contribui para que tudo fique da mesma. 
Muitos, senão a grande maioria, nem perdem tempo a ler os relatórios. Alguns inclusive desvalorizam-nos. Curioso é também a forma como se procura escamotear o relatório acima citado. Sendo certo que foram produzidos dois relatórios por duas equipas distintas; um pela chamada Comissão Técnica Independente, encomendado pelo Parlamento; e outro da autoria do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, da Universidade de Coimbra, coordenado pelo Prof. Domingos Xavier Viegas, o que é facto é que imprensa e comentadores apenas citam o primeiro e omitem o segundo. Quase parece deliberado pois o primeiro é mais técnico e de dificil «digestão» enquanto o segundo parece ser mais claro e com uma linguagem mais simples sendo mais vocacionado para leigos dando a sensação de se tentar conduzir a opinião pública para aquele relatório de forma a, por iliteracia cientifica, muitos abandonarem a leitura ou simplesmente nada compreenderem. Em termos estruturais este último também é mais claro.
De referir ainda que, devido ao mediatismo inevitável, estes trabalhos têm sido muito badalados quase dando a sensação de que é a primeira vez que se faz um trabalho desta natureza. Ora tal não é assim visto que a equipa de Xavier Viegas já tinha elaborado outros trabalhos os quais são citados no referido relatório - "O estudo deste incêndio reveste-se de uma dificuldade e complexidade muito superiores a todos os que foram realizados anteriormente pela nossa Equipa (Viegas, 2004, 2009, 2013, 2017; Viegas, et al., 2012, 2013)". Andou-se estes anos todos a «pregar no deserto».

2 - É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique da mesma?

Que nem a Ministra nem o Secretário de Estado da Administração Interna tinham condições políticas nem pessoais para continuarem nos respectivos cargos, inclusive depois do 15/10, era sabido. Que nunca poderiam levar a cabo as mudanças que se impõem, era óbvio tendo em conta antes de tudo que a sua autoridade estava irremediavelmente abalada.
Muitos foram aqueles que andaram durante semanas a pedir demissões como se as demissões resolvessem o que quer que fosse. Ainda para mais a meio da tempestade nunca é boa ideia mudar a tripulação. 
Sendo certo que, ninguém o assume, que o desnorte na Autoridade Nacional de Protecção Civil, a qual se encontra, não tenhamos medo de o assumir, decapitada e totalmente desarticulada, vivendo estes últimos dias de uma época estival fora de tempo com o credo na boca e «sobre brasas» pelo que demissões políticas era acrescentar problemas aos problemas.
O nosso receio é que aqueles que procuram desviar as atenções, criar uma cortina de fumo, são aqueles que querem que alguma coisa mude para que tudo fique da mesma, são aqueles que apenas querem levar a cabo meras operações de cosmética pois se aqueles que se indignaram e exigiram a cabeça dos referidos governante, não ficaram agora escandalizados por os verem assumir os seus lugares de deputados. Aquilo que se passou foi pois uma mera dança de cadeiras; mudou alguma coisa e tudo ficou da mesma. E não vale o argumento do «foram eleitos» porque podiam muito bem ter renunciado aos respectivos mandatos. Portanto nem a Constança foi de férias e as preocupações com a exposição pública agora já não se põem.





3 - Um país de líricos; sempre avesso à ciência

3.1. - Documentários que devem ser vistos

Antes de partir para os desenvolvimentos deste tópico, recomendam-se estes documentários: 










3.2. - Fogo: Inimigo ou aliado da floresta?

Quem não se lembra das brochuras que eram distribuídas na escola onde o fogo era retratado como o inimigo Nº1 da floresta? A floresta indefesa, as árvores apavoradas e as chamas cruéis com ar de mau. Mas será mesmo assim?
O fogo é um elemento natural. Desde sempre as florestas estiveram à sua mercê. Ora a teoria evolutiva diz que as espécies evoluem no sentido de sobreviver. Se isso é válido para o mundo animal também o é para o mundo vegetal. Desta forma como se explica que espécies tais como os eucaliptos e mesmo os pinheiros segreguem resinas inflamáveis? Como se explica a casca que seca e se desprende dos eucaliptos? Como se explica que as pinhas quando sobreaquecidas são autênticas bombas incendiárias projectando-se a dezenas e mesmo centenas de metros?
Será que estamos a analisar a realidade correctamente? Bem sabemos como certos mitos são criados e como é difícil mudar  o paradigma.
Partindo do princípio que a evolução vai no sentido de criar resistência e adaptabilidade de uma espécie ao meio a conclusão que se pode tirar é que algumas espécies não só estão adaptadas ao fogo como precisam dele. Algumas árvores são bastante resistentes ao fogo. As cápsulas das sementes dos eucaliptos precisam de muito calor e as pinhas... bem, o que as faz abrir? O que fazemos para tirar os pinhões? Colocamo-las ao sol ou mesmo... exacto, ao lume! As pinhas abrem ao lume, com elevadas temperaturas. E porquê as projecções absurdas que conseguem? Caramba, é uma forma de disseminação. O fogo não só abre as pinhas de forma a que estas libertem as sementes como as leva a serem projectadas.
Bem se sabe que a madeira apodrecida e as árvores moribundas são potenciadoras de doenças nas árvores vivas. O fogo ajuda a eliminar a manta morta em excesso, queima tudo o que possa potenciar doenças nas árvores; em suma, tem um enorme poder regenerador. Na verdade, poucos dias após um incêndio vemos vegetação a crescer de forma bastante significativa. Na verdade, os pastores e agricultores conhecem o imenso poder regenerador do fogo. Não é por acaso que fazem queimadas. Não é por serem pirómanos ou por terem problemas com a bebida. Eles sabem que o fogo regenera a floresta.
O fogo é um elemento natural. Contra-natura e talvez o maior inimigo da floresta e de nós próprios talvez seja o Homem. Ao suprimir o fogo permite-se enormes acumulos de combustível com o potencial de desencadear os chamados mega incêndios. Na verdade, os relatórios abordam o tema do Paradoxo do Combate aos Incêndios. É cada vez mais ponto assente na comunidade cientifica que o fogo se deve combater com fogo.
A forma massiva de combater incêndios tem poucas décadas. Sempre se combateram incêndios mas com meios modestos até aos meios usados hoje. Suprime-se o fogo e permite-se que o combustível se acumule. Não se queima, não se limpa e ainda se acrescentam matérias inflamáveis como pneus, plásticos, etc. Sendo certo ainda que há milhões de anos praticamente a única fonte de ignição eram as descargas eléctricas da atmosfera comparando com os dias de hoje em que estas são muito mais diversificadas que vão desde cabos eléctricos, negligência, dolo, acidentes. As queimadas sempre existiram, limpeza é que não daí serem muitas as situações que fogem do controlo. Eis a receita para o desastre. Junte-se um Verão particularmente seco e quente e temos todas as variáveis em jogo para desencadear a tempestade perfeita. O Homem é o principal potenciador de fogos de severidade extrema. A floresta precisa de fogo mas o fogo extremo provoca danos massivos. O Homem é portanto também a maior fonte de desequilíbrio no ecossistema.

3.4. - Saber o que se está a combater

Calcula-se que um evento extremo desta natureza liberta em 15 minutos tanta energia como a bomba atómica lançada sobre Hiroxima. Só o incêndio de Pedrógão Grande, de acordo com o que foi estimado nos relatórios, libertou uma energia da ordem dos 13 TJ (Tera Joule), o que equivale à explosão de 3000 toneladas de TNT. Se se converter este valor em KWh, isto equivale à energia eléctrica necessária para alimentar um lar médio durante os próximos 300 anos. A potência libertada foi da ordem 565 GW (Giga Watt), ou seja em quatro dias, foi gerada uma potência equivalente à potência gerada pelo parque eólico mundial num ano.
Perante eventos poderosos e catastróficos tais como incêndios de severidade extrema, sismos, maremotos, erupções vulcânicas; em suma, fenómenos que libertam quantidades brutais de energia, é plausível e sensato que sejam amadores a lidar com estes fenómenos? A Natureza não se compadece com discussões estéreis e políticas de faz--de-conta. É fundamental criar estruturas de comando intermédias e superiores com uma grande base cientifica e formativa. É preciso criar um corpo de oficiais para enquadrar esta gente. Não podem ser cursozecos de dois ou três meses. Têm que ser cursos pesados, com uma grande carga de conhecimentos teóricos e técnicos nas áreas da física, geofísica, física da atmosfera, liderança, gestão, etc. E anos de experiência para comandar ao nível de topo. Uma das recomendações do relatório da equipa coordenada por Xavier Viegas diz justamente que "Recomendamos um grande cuidado na seleção dos quadros de Comando da estrutura da ANPC e dos Bombeiros. Defendemos que em todos os escalões haja uma melhor qualificação dos agentes de proteção civil, para conferir aos cidadãos a segurança e confiança de que serão socorridos sempre por pessoas qualificadas e da máxima competência. Reconhecemos que uma resposta mais pronta nas emergências carece de uma maior profissionalização dos Bombeiros."


4 - O que fazer?

Lutar contra forças da natureza é inglório e um trabalho votado ao fracasso. Pouco se pode fazer. O que se pode é melhorar e muito na articulação, organização, capacidade de análise, evacuação das populações bem como sensibilizá-las. Estas têm que ser PROACTIVAS - Sim, são os relatórios quem o diz.
Sendo certo que ninguém gosta de viver no meio de uma floresta ou mato calcinado, pelo contrário, prefere uma floresta verde a qual no entanto é maltratada acrescentando ainda o enganador Portugal sem fogos, vai-se deixando arrastar a situação até ao dia em que tudo acontece.
Urge pois limpar, queimar e não despejar lixo nas matas.


Conclusão

O Governo reage pavlovianamente despejando rios de dinheiro, celebram-se contratos secretos. Os lobbies são poderosos e é mais a demagogia e a defesa acérrima do clube e a troca de galhardetes do que a seriedade e a ponderação. Acrescentando o facto de que são os mesmos que há décadas andam por ali e que se promete tudo e pouco se faz, acredita-se aqui que infelizmente a coisa irá continuar. Resta saber em que dimensão.


Fonte: Jornal O Diabo


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