segunda-feira, setembro 02, 2013

Carne pra canhão - crónica de um desastre anunciado... e perpétuo?



Foi o segundo artigo escrito no Pedra no Chinelo, já lá vão oito anos, dedicado à praga dos incendiários. Desde aí o que é que entretanto mudou?

Sempre que o verão chega e as temperaturas aumentam, Portugal converte-se automaticamente num grande churrasco e todas, todas as suas florestas e áreas protegidas (?) correm o risco de ficar reduzidas a um gigantesco braseiro. Porque acontece isto e porque é que não existem soluções?
Historicamente, não existem relatos de grandes fogos florestais em Portugal sempre que se aproximava o verão. Embora sempre tenha havido esse risco e ocorrido certamente algumas situações do género, este fenómeno é relativamente novo, com cerca de 30 anos, tendo vindo a haver um progressivo aumento no numero de fogos por ano e na área total ardida, principalmente desde o verão de 2003.

Para começar, falemos do desordenamento e abandono das florestas, algo que tem sido bastante repetido nos últimos dias. Dizia o artigo de há oito anos:

São inúmeras as razões, que do meu ponto de vista, contribuem para esta catástrofe ambiental, social e económica a começar pelo progressivo abandono a que estão votadas as matas e florestas nacionais. Houve um tempo em que muita gente vivia na floresta, existiam muitos pontos de vigia e muitos vigilantes e sempre que havia um foco de incêndio este poucas vezes tinha hipóteses de se converter num grande incêndio. Hoje a incúria e a incompetência são os grandes aliados do fogo e dos incendiários, autênticos terroristas ecológicos, e os poucos vigilantes da floresta são, em grande número, pessoas de idade já avançada.


Ainda no artigo de 2005 referia-se que o fenómeno tinha cerca de trinta anos mas não referia as causas. E a causa parece ser óbvia e simples: Eucaliptos. O artigo «Morrer em Vão» de Viriato Soromenho Marques no Diário de Notícias foca precisamente a questão do ordenamento do território, conceito que em 1971 já começava a brotar na cabeça de homens de visão como o então deputado Correia da Cunha - e o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles, pioneiro da política de ambiente em Portugal, que entre outras coisas afirma que o que arde em Portugal não são florestas mas sim eucaliptos - que já previa o desequilíbrio resultante do êxodo das populações do interior.
Transcrevo este excerto do referido artigo de Soromenho Marques:

Como visionário e homem de acção, Correia da Cunha sabia que Portugal iria ficar desequilibrado demograficamente nas décadas seguintes. Milhões de portugueses sairiam das zonas rurais em direcção ao litoral. Era de interesse nacional ordenar o território, proteger a paisagem, a capacidade produtiva dos solos, preservar o capital natural para as gerações futuras. Nada disso aconteceu. Os interesses particulares prevaleceram sobre o interesse geral. Os incêndios que devastaram 426 000 e 256 000 hectares, respectivamente, em 2003 e 2005, fazendo de Portugal o campeão europeu de áreas ardidas, são o sinal de um país doente. Um país que ao fugir das chamas foge de si próprio. Uma das causas principais reside no desordenamento florestal. As reportagens televisivas mostram-nos, sistematicamente, bombeiros e populações cercados por eucaliptos em chamas. Chegado a Portugal em 1829, esta espécie exótica ocupa agora 26% do espaço florestal, e é o grande combustível dos incêndios florestais. Quando vejo ministros, com ar pesaroso, lamentarem a morte dos bombeiros, apetece-me perguntar-lhes: "Onde estavam os senhores no dia 19 de Julho de 2013?". Nesse dia foi aprovado, em Conselho de Ministros, o ignóbil Decreto-Lei n.º96/2013, que, debaixo da habitual linguagem tabeliónica usada para disfarce, estimula ainda mais a expansão caótica da plantação de eucaliptos, aumentando o risco de incêndio, e fazendo dos bombeiros vítimas duma política de terra queimada ao serviço dos poderosos. 

É claro que aqui reside uma das principais causas mas vamos mais além. Agora pergunta-se, não é estranho que seja 2013 um dos piores anos em termos de incêndio, os maiores e mais violentos, justamente o ano em que, e por ironia, mesmo no pino do Verão, sai o dito Decreto-Lei nº96/2013, o tal que estmula ainda mais a expansão da plantação de eucaliptos? Mas se as florestas estiverem ocupadas onde é que se plantam os eucaliptos? Bem, e se a floresta... arder? Coincidências do diabo!
Também o poder local e mesmo as populações têm culpas no cartório. Vamos por partes. As autarquias são também agentes de protecção civil na área do seu território. De referir que as câmaras municipais elaboram interessantes planos municipais de combate a incêndios. Mas em concreto que medidas reais e efectivas é que os municípios tomam na prevenção contra incêndios florestais? E as juntas de freguesia? Não esqueçamos que os presidentes de junta são por inerência responsáveis pela protecção civil na área da sua freguesia. Porque é que câmaras e juntas, que são quem melhor conhece o terreno, não levam a cabo acções de limpeza nomeadamente junto de povoações bem como outras acções como campanhas de esclarecimento junto das populações?

Agora as populações. Bem, o que diz o artigo de 2005?

A grande maioria das pessoas afectadas também é responsável por aquilo que muitas vezes lhes acontece pois raras são as vezes em que não se vejam autenticas selvas em redor das suas casas – arvoredo, ervas secas, matagal – barracões de madeira ressequida nos quintais perto das moradias, fardos de palha, pneus velhos e todo o tipo de lixos inflamáveis. Não me comove especialmente ver gente desesperada de lágrimas nos olhos, muitas vezes com o objectivo de receber do Estado o famigerado subsidio e ajudas, quando foram em boa parte também responsáveis pela desgraça que lhes bateu à porta. É frequente visualizar imagens de gente que aquando da proximidade dos incêndios se agarra à enxada e desata a arrancar ervas, limpar árvores e limpar mato e lixo próximo das suas casas. É escusado! É como aquele doente que nunca seguiu as instruções do médico e não tomou os medicamentos que lhe foram prescritos e só na hora da morte quando já está a dar o ultimo suspiro é que desata a tomar os medicamentos na esperança de se salvar. Já não vale a pena estar-se a moer! É tarde de mais! Nessa altura, o que apenas que lhe resta é deitar o coração ao largo, descontrair e deixar-se levar no balão! As populações que moram perto de áreas florestais e/ou são proprietárias de terrenos florestais têm todo o ano para limpar as matas e arranjar caminhos e não ficar à espera que o Estado resolva tudo. Muitas das matas e floresta propriedade do Estado e Municípios também são deixadas ao deus dará sem que haja a responsabilidade de quem devia dar o exemplo. Nesse caso as populações têm a obrigação de fazer o Estado actuar, pressionando-o e no caso deste não actuar juntarem-se e fazerem o trabalho por conta própria ao mesmo tempo que o colocam em tribunal por não cumprir o seu dever. E o mesmo se aplica a proprietários individuais. Individualmente, cada um devia lembrar-se de limpar os seus terrenos e realizar queimadas apenas quando as condições são propícias. Se não pode, porque é idoso ou inválido, deve pagar a quem o faça ou pedir ajuda a familiares ou amigos. 


No grande incêndio do Caramulo, ficou a nú a escassez de meios nomeadamente meios aéreos. Agora pergunta-se, e as Forças Aramdas, não deviam ter um papel mais activo nomeadamente a Força Aérea (FA)? Sendo estas dotadas de uma rígida estrutura de comando e controlo e forças minimamente disciplinadas, não seriam eficazes e uma enorme mais-valia?

Essa tese é amplamente defendida pelo Sr. Tenente-Coronel Brandão Ferreira no seu blog O Adamastor.

E o que diz é bem exemplificativo bem como as imagens neste outro artigo:

Até ao governo do Engenheiro Guterres a maioria dos meios aéreos envolvidos pertencia à Força Aérea (FA), que tinha gasto nos anos 80, cerca de 200.000 contos em equipamentos. 
Nessa altura, cremos que em 1997, o Secretário de Estado Armando Vara entendeu (vá-se lá saber porquê!), que não competia à FA intervir nos incêndios mas sim que deveriam ser contratadas empresas civis. Compreende-se mal esta atitude a não ser pela sanha existente por parte da maioria dos políticos em menorizar os militares e as Forças Armadas. Certo é, também, que a FA não paga comissões.
 Somos de opinião que os meios de combate a incêndios devem estar na FA. Só quando estes forem insuficientes se devem alugar outros. Haverá apenas que compatibilizar as exigências e sazonalidade desses meios com as condicionantes operacionais e de dispositivo militar. Mas isso não parece ser obstáculo intransponível. Acordos de cooperação entre países amigos poderão e deverão ser feitos para optimizar os recursos.


E por fim a estruturação do sistema de protecção civil bem como dos bombeiros.
Já em 2005, se defendia no artigo, que deveria haver uma unificação dos corpos de bombeiros:

Em relação aos bombeiros, não seria viável a unificação das corporações de bombeiros num único corpo nacional, num modelo semelhante ao da PSP ou GNR, com um comando geral, sedeado no interior do país, por exemplo em Castelo Branco, e vários comandos regionais e locais e uma hierarquia definida, militarizados ou semi-militarizados o que permitiria certamente uma melhor coordenação e organização, com uniformes e equipamento comuns e houvesse no seio desta corporação divisão por especializações (Serviços de saúde, Brigada de intervenção química, Brigada de combate a incêndios, Brigada de sapadores, Divisão aérea, Brigadas especiais - de elite - que actuam em cenários de grande catástrofe como terramotos, tsunamis, atentados terroristas, etc.) e se caminhasse no sentido de um profissionalização cada vez maior em que os elementos de cada divisão apenas tinham determinadas tarefas e se acabasse com o modelo das associações humanitárias, corpos sociais e sócios (que implica descriminação dos cidadãos entre sócios e não sócios.) e que implicam uma gestão pouco transparente e possíveis negócios paralelos?

No Adamastor a problemática é também focada:

A estrutura da protecção civil que coordena o combate aos incêndios prima sobretudo pela falta de clareza. Isto é, não estão devidamente atribuídas responsabilidades de comando de que resulta uma evidente dificuldade na atribuição de meios e prioridades e no apuramento de responsabilidades. Para melhorar esta área torna-se necessário combater o “complexo de quinta” (muito arreigado!) e arranjar uma estrutura com comando centralizado e execução descentralizada; estabelecimento eventual de níveis diferenciados de decisão e linhas claras de autoridade. O afastamento dos militares de toda esta estrutura foi um erro crasso que após a debacle do ano de 2003, já foi parcialmente corrigido.

Temos a seguir o problema dos bombeiros. Os bombeiros sendo os “soldados da paz” (parece que só se pode criticar os soldados da “guerra”...), pelos serviços prestados e pela maioria ser voluntária goza de natural prestígio em toda a população. E têm estado até há pouco acima de qualquer crítica. Ninguém nem nenhuma corporação devem estar acima de qualquer crítica. O Estado tem-se valido do elevado número de corporações voluntárias para poupar nos sapadores, profissionais. Ora as exigências da sociedade actual não se compadecem com este estado de coisas. Acresce que qualquer pessoa pode ser “comandante” de um quartel de bombeiros voluntários e que a instrução e disponibilidade deixam muito a desejar. Basta aliás olhar para o fardamento e atavio para se duvidar da operacionalidade existente. Há pois que impôr alguma ordem neste estado de coisas.
 
 Ora aí está o dedo bem colocado na ferida. Pensamos, e já desde 2005, que as ditas associações humanitárias deviam acabar e haver uma unificação dos corpos de bombeiros numa estrutura semelhante à da PSP e com uma progressiva profissionalização dos efectivos.
De facto também a instrução e disponibilidade deixam muito a desejar. Os bombeiros portugueses são valorosos, abenegados, bravos mas são também, e não tenhamos medo das palavras, uma tropa fandanga que não prima em grande medida pela disciplina - basta ver por exemplo a forma desleixada e sem garbo, como alguns se fardam e actuam nos teatros de operações. Do ponto de vista de preparação física para enfrentar as mais duras condições, a esmagadora maioria, uma catástrofe; gente com baixíssima capacidade aeróbica, gente obesa, gente que não se cuida ou prepara minimamente, homens já com alguma idade, jovens imaturos que menosprezam o risco e que vão para o teatro de operações e vivem aquilo como se fosse uma aventura e mais: muitos efectivos são semi-analfabetos, e pior, alguns comandantes sofrem do mesmo mal. Há comandantes que pura e simplesmente terão certamente dificuldade em ler uma carta topográfica ou meteorológica bem como outras lacunas. Basta abrirem a boca para se perceber imediatamente. Na verdade, como afirma Brandão Ferreira, qualquer pessoa pode ser comandante de um quartel de bombeiros. Até é possível um bombeiro de 3ª (equivalente a praça) ascender a comandante (muitas vezes por conhecimentos, cunhas ou por um «golpe de asa»).
E depois, deveria - deveria porque não existe - existir um corpo de oficiais para enquadrar toda esta gente. Apesar de legislação produzida em 2008 prever a existência de oficiais bombeiros no terreno não se vê nem um.
Também ao nível da formação esta deveria ser diferenciada num modelo semelhante ao usado na PSP. Deveria haver (e há) uma escola nacional de bombeiros a ser frequentada apenas para aqueles que seguem a carreira de bombeiro e uma escola superior de bombeiros - à semelhança da escola superior de polícia ou das escolas superiores militares - destinada à formação daqueles que seguirão a carreira de oficiais sendo esta uma escola de ensino superior ministrando curso de engenharia (quimica, civil, florestal), protecção civil, física, química, psicologia, adminstração, gestão, etc. sim porque nem nas escolas superiores militares nem nas escolas superiores policiais há cursos de oficiais - isso não existe - há sim cursos superiores que conferem uma licenciatura e/ou mestrado mas devido à natureza do ensino estes licenciados são enquadrados nas carreiras de oficiais com o posto mais baixo e depois vão progredindo na carreira como se pode ver aqui e aqui por exemplo.
Esta deve ser uma formação rigorosa do ponto de vista intelectual, físico e moral - à semelhança do que ocorre nas referidas escolas superiores militares e de policia - donde saem os oficiais para comandar as unidades, quartéis e operações. Gente altamente formada e preparada, à altura de enfrentar grandes e graves desafios.

Por fim, a logística. Quem estudar um manual de comando operacional percebe que em cenários de grande complexidade, são criadas três células que dependem do Comando das Operações de Socorro: Célula de Combate, Célula de Planeamento e Célula de Logística.
O responsável pela célula de logística, designado Comandante de Logística, tem como missão apoiar a organização do teatro de operações, providenciando e gerindo todas as necessidades respeitantes a abastecimentos e equipamentos nomeadamente transportes, instalações, abastecimentos de qualquer natureza, alimentação, manutenção de equipamentos, combustíveis, comunicações rádio, apoio sanitário.





Infelizmente por aquilo que vamos vendo no terreno, a célula de logística, em qualquer teatro de operações tem enormes lacunas. Quantas vezes nós vemos bombeiros exaustos a descansar nas viaturas ou no chão, perto delas? Onde estão as instalações adequadas? Quantas vezes nós vemos bombeiros exaustos e desidratados a ter que beber água dos tanques dos veículos de apoio aos carros que combatem directamente os incêndios? Quantas vezes nós vemos bombeiros completamente exaustos e a precisarem de alimentos a dependeram da boa vontade de populares ou de sandes e croquetes que eles próprios trouxeram para não terem que passar fome? Quantas vezes nós vemos a falta de higiene e de condições sanitárias, com bombeiros completamente cobertos de fuligem, suados e com fardamento danificado permanecendo assim neste estado de desconforto durante horas (ou dias), só tomando banho quando regressam aos quarteis?
Não deveria haver, entre outras coisas, uma boa articulação com as câmaras e juntas de freguesia para estas actuarem na rectaguarda em articulação com a logística de forma a garantir a higiene, alimentação e hidratação e a instalação em boas condições dos combatentes? Como é que esta gente pode estar em boas condições físicas e psicológicas, depois de sujeitas a tremendo desgaste devido ao combate durante horas em condições particularmente duras e posteriormente à falta de condições sanitárias, alimentação adequada - rica em proteínas e hidratos de carbono e não fritos e sandes como muitas vezes se vê - e de água potável e bebidas hidratantes - e não refrigerantes que é a pior coisa que se pode fazer - e falta de conforto no período de descanso quando voltam a ser mobilizados no turno seguinte? Um cenário de catástrofe é um cenário de guerra, onde se combate um adversário ou inimigo (neste caso natural). Ora qualquer general sabe há milhares de anos que se não dispôr de uma boa logística de apoio na rectaguarda, das duas uma: ou perde a batalha ou levará muito mais tempo e com muito mais dificuldade a vencê-la (naturalmente, será sempre uma «vitória de Pirro») simplesmente porque falham duas das três condições essenciais à estratégia: aceitabilidade e exequibilidade.

E também ao nível de planeamento há muitas falhas como é o exemplo de termos equipas a combaterem demasiadas horas, muito para além do que é aceitável, quase parecendo que estão esquecidas e abandonadas na frente enquanto que outras equipas e unidades «frescas» e abastecidas não são destacadas para a frente apesar de mobilizadas, queixa que ouvimos muitas vezes.  É óbvio que tudo isso resulta precisamente da deficitária organização, formação, preparação e competência ao nível do comando e controlo pelas razões atrás mencionadas.

O dispositivo de combate a uma catástrofe, como é o caso de um incêndio florestal de grandes proporções é o último degrau depois de tudo ter falhado a montante - planeamento e ordenamento do território, prevenção, vigilância, etc - e se aqui existirem também graves lacunas temos depois situações catastróficas em termos de danos e de prejuízos incalculáveis e de baixas, muitas delas evitáveis, como as que vamos vendo um pouco por todo o país.

Com afirma Brandão Ferreira, os incêndios são a todos os títulos uma calamidade para Portugal que se repetem numa cadência previsível.
Por isso não se entende o descaso, a incompetência e a falta de vontade política que os sucessivos governos têm demonstrado face a tão gravosa situação. Parece que criámos um sistema político e uma sociedade que convive com todos os problemas e tolera todos os vícios. E não resolve nenhum.
E tal como afirmamos em 2005, enquanto todos continuarem a actuar como até aqui, o flagelo irá subsistir até pouco ou nada restar das florestas nacionais e os senhores do fogo continuarão com as mãos livres para actuarem como até aqui. É fundamental recordar que a ocasião faz o ladrão! 
MAS AINDA É POSSÍVEL DAR A VOLTA À SITUAÇÃO. BASTA QUE SEJAM APLICADAS POLÍTICAS CONCRETAS, SUSTENTÁVEIS E SOBRETUDO SENSATAS. 


Complemento:

Entrevista do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles ao Jornal de Notícias, do dia 4 de Agosto de 2005.

"Continua o embuste na nossa política florestal"

A primeira edição foi há 45 anos. "A Árvore em Portugal", de Ribeiro Telles e Francisco Caldeira, traçava já então um cenário pouco optimista da política florestal portuguesa. Uma segunda edição ampliada, nos anos 70, voltava à carga. A terceira mantém o texto e as críticas.

JN: Há quarenta anos, as razões do livro "A Árvore em Portugal" já eram de alarme. E acha que continuam tudo na mesma...

GRT: Continua, totalmente. Inventou-se que Portugal tinha uma floresta do tipo do Norte da Europa, monoespecífica, e todo esse embuste tem sido trágico. Quando há incêndios, as pessoas julgam que está a arder uma floresta, mas não está: o que está a arder são povoamentos de resinosas (os pinheiros) ou de eucaliptos. Entre estes povoamentos (sic) e uma floresta, a única coisa comum é que ambos têm árvores.

JN: E na sua opinião, dar a volta a este estado de coisas passa por recuperar a vegetação que havia antes da florestação de "lucro fácil".

GRT: Nós temos, ou tínhamos, uma mata natural que também tem, ou tinha, valor económico: basta ver os montados de sobro (a cortiça..) ou os soutos (castanheiros)... E essa mata natural é que tem características de floresta, e arde menos e recupera muito mais depressa. Mas além dos incêndios, uma das consequências mais trágicas de toda esta política florestal foi o despovoamento das aldeias e o consequente abandono da agricultura tradicional do interior e do Norte do país.

JN: Os donos das terras quiseram, afinal, um lucro rápido...

GRT: Os donos das terras já não sabem onde são as suas terras, porque já são netos e bisnetos dos primitivos donos, e entretanto como tudo tudo (sic) foi transformado em grandes extensões de pinhal ou eucaliptal, os marcos foram completamente alterados e na maior parte dos casos não sabem onde começa ou acaba o que lhes pertence.

JN: E em sua opinião, o lucro dessas plantações acaba por ser fictício?

GRT: Estamos agora a pagar esse lucro. Mas também foi fictício, porque poderia haver culturas monoespecíficas de árvores, mas nunca nas enormes e contínuas extensões que aconteceram. Isto foi um erro enorme da Universidade, principalmente do Instituto de Agronomia.

JN: E no caso do eucalipto, há ainda a ideia de que mata a terra.

GRT: Não é matar a terra, é despovoar o território, o que é muito grave. Não será impossível recuperar desta situação, mas é muito difícil. Tudo isto começou nos anos 30, quando saiu "Quando os Lobos Uivam", do Aquilino Ribeiro. Houve, nessa altura, o primeiro ataque aos baldios, no norte do país. Esse ataque provocou o desequilíbrio nas economias das aldeias, que era baseado na pecuária e contribuiu também para a migração das populações.

JN: E para mudar este estado de coisas que lhe parece catastrófico, propõe o quê?

GRT: Para começar, não repetir os erros que já se cometeram. E depois fazer um odrdenamento de características mediterrânicas, onde a agricultura e a pecuária têm papéis a desempenhar.




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