domingo, abril 03, 2016

A terra prometida - «A minha terra é a melhor»

"Aonde pertencerei? De verdade e por inteiro, a parte nenhuma. A terra onde nasci tornou-se-me estranha como um teatro; quando estou nela tenho a ideia de que represento um papel. A outra, onde vivo há mais de meio século, dá-me por vezes a ideia de um navio que se afasta e me deixou no cais. Procurar outro poiso? Nem a idade mo permite nem as amarras o deixariam. Porque é isso: não pertenço mas é muito forte o que me prende".
José Rentes de Carvalho 





Há já muito tempo que venho a observar algo curioso e que é transversal em termos sociais. Vou aqui e agora escrever o que penso a respeito disso e esse será o tema deste artigo. Todos aqueles que por um motivo ou outro têm que sair do lugar de onde vivem, pelas mais diversas razões, têm algo em comum: Para eles a sua terra é a melhor e ponto final. 
Para quem emigra, e independentemente do que o levou a emigrar e das condições que tinha antes e das condições que tem depois seja em termos sociais, profissionais, afectivos, etc, o seu país de origem é que é bom, é que é o melhor e em todos os aspectos. O mesmo se verifica para quem migra, isto é, para aqueles que se deslocam e vão viver para uma outra região mas sem abandonar o país. Para esses, e também independentemente do antes e do depois, a sua terra é que é a melhor; melhor em todos os aspectos. Daqui se supõe que em todos eles há uma espécie de saudosismo e até um pouco de masoquismo.
Ora vamos lá a ver: Costuma dizer-se que para melhor muda-se sempre. Ora se a «nossa terra» é a melhor porque é que mudamos? Sim! A mudar, muda-se para melhor. Mas pelo que vejo e oiço todos mudam para pior donde pergunto: Então porque mudaram?
Quem ler este artigo poderá dizer que apenas mudou porque surgiu uma oportunidade melhor, que até tinha um bom emprego onde estava, que saiu apenas porque conheceu outra pessoa e juntaram os trapinhos, pelo desafio, pela aventura, etc. Ora bem, quando alguém diz que a sua terra, a sua região, o seu país é o melhor está a usar uma condição universal. Dizendo que é o melhor, então é melhor em tudo. Se alguém teve que sair, fosse pelo que fosse, nem que fosse pelo mais trivial que possa existir, então a sua terra não é a melhor e ponto. Não esquecer que ser o melhor, e sendo uma afirmação universal, não pode haver falhas. Se alguém saiu porque não tinha emprego na sua terra, então é porque a sua terra não é a melhor; nem sequer lhe deu uma oportunidade! Mas para esses ainda que empregados, felizes e contentes na terra que o acolheu, a sua terra dita de origem, ainda é a melhor.
Se alguém saiu porque encontrou a sua cara-metade, a sua alma gémea noutro local, então a sua terra não é a melhor pois aí não encontrou o amor. Mas para esses ainda que felizes e contentes, a sua terra continua a ser a melhor.
Para aqueles que foram pelo desafio - profissional ou outro qualquer - pela aventura ou pelo que fosse, ainda assim, e mesmo felizes e contentes, dizem que a sua terra é a melhor. 
Muitos vejo que se lamentam, que são mais amados na terra que os acolheu do que na terra onde sempre viveram, que são mais considerados por pessoas que conhecem há pouco tempo do que por aqueles que os conhecem desde sempre - não esquecer que a familiaridade gera o desdém. Mas mesmo assim, e apesar dos lamentos, ainda dizem que o sítio de onde vieram é que é bom e até fazem gala em voltar (???!!!).
Não, não é!
É claro que muitos morrem de saudades, e aqui vou ser duro, muito por culpa da sua parolice. Muitos estão noutro sítio mas com a cabeça no local manhoso de onde vieram. Eles pensam nos amigos (muitos deles da onça), nas patuscadas, no bar ou na tasca local, na praça, no ribeira, nas bebedeiras, etc. Depois vemos que esses mesmos se recusam a integrar-se no local onde estão. Muitos apenas fazem o casa-trabalho-casa. Poucos se dispõem a interagir com as populações locais, a aprender a língua do país - se estiverem noutro país - a aprenderam os costumes, a ir às festividades, eventos culturais, desportivos, etc, a ir aos locais mais emblemáticos ou de interesse. Muitos há que, para cúmulo da pateguice, levam os mesmos hábitos e não adaptando a máxima do «em Roma sê romano». Quantas vezes não vemos autênticos labregos, sim labregos a assar sardinhas e bifanas em plena Paris, apenas a interagir com portugueses; se no norte a fazer açordas, etc? Gente que não se dispõe a conhecer o país ou região de acolhimento. Não visitam museus, monumentos, templos, etc. Claro que a saudade irá roer estes reclusos.
Mas depois temos os masoquistas. Gente que nunca teve uma oportunidade na terra de onde veio mas que tem todas as oportunidades no novo local e ainda assim olham para trás com saudades e a dizer que a sua terra é a melhor. Ora isto para além de ser uma palermice pegada é uma enorme falta de consideração para com quem os acolheu, em muitos casos de braços abertos. «Se a tua terra é a melhor, se as gentes que lá vivem são as melhores porque vieste para cá»?, «Se eles são melhores, eles que nunca tiveram a mínima consideração por ti, junta-te a eles». Muitos poderão dizer isso e com legitimidade. Então se um outro povo nos acolhe, se vamos para outro país, uma outra população se viemos do sul e vamos para o norte ou vice-versa, vamos dizer que os outros é que são bons?

Um profissional, o que ele vai dizer é que a sua empresa é a melhor. Claro! «A minha empresa é a melhor». Mesmo que o não seja. Mas é sempre a melhor, a melhor no ramo em que opera e mesmo para além disso por uma razão muito simples: é que lhe garante uma carreira e um salário. Se mudar de empresa, é essa nova empresa que é a melhor. Se for um atleta é a mesma coisa. O seu clube é o melhor. 
Se um atleta - é por isso que os desportistas que defendem determinado emblema dizem que o seu clube é o melhor - está num determinado clube ele vai lutar por esse clube. Um treinador, jogador, etc, quando está no Benfica diz que é o melhor clube; se vai para o Sporting no ano a seguir, para dar um exemplo, vai dizer que o melhor clube é o Sporting. Perfeitamente natural. É assim! Sendo assim em relação à entidade patronal deve-o ser em relação à terra que nos acolheu.


Vou falar do meu caso pessoal. Tive a imensa felicidade de vir residir no Minho. Para mim, o Minho é o melhor sítio em todos os aspectos. Adoro o clima, as paisagens, o património, a maneira de ser das gentes, as festas e romarias, etc, etc, etc. No Minho encontrei algo que jamais encontraria no sítio de onde vim: Emprego, consideração e muito mais. E poderei encontrar algo mais ainda... ou não.
Esta é portanto e por consequência, para mim, a melhor região, a melhor terra, da mesma forma que a minha empresa é a melhor, o meu ginásio é o melhor e por aí adiante. Agora o sítio de onde vim??? O sítio de onde vim, o melhor?! O sítio que não me garantiu emprego, não me deu uma oportunidade e não me garantiu formas de ocupar os tempos livres pois aquilo é uma imensa pasmaceira? Saudades? Saudades daquilo? Deveria ter? Dizer aqui no Minho que o Alentejo, e em particular a zona de Alcácer do Sal, é a melhor região? É que nem por sombras! Melhor em quê? Só em mosquitos, pó, vigarice, tibornas e afins. Saudades? Nossa! Do quê? De cães raivosos, de faltas de consideração de gente atrevida e estúpida? - atenção que há casos e casos. Não vou cometer essa falta de consideração por gente que estimo e, penso eu que é recíproco.
Peço desculpa, mas eu quero é que eles se fodam, puta que os pariu; como se diz no norte.
Porém, hoje o Minho é, para mim, a melhor região mas amanhã pode não ser. Amanhã posso mudar de região ou de país e esse passará a ser o melhor local. Tão simples como isso.
Resumindo, a melhor terra é aquela onde somos felizes; onde encontramos estímulos e desafios profissionais, onde somos tidos em consideração, onde somos acolhidos, integrados, onde encontramos afecto, amor, prosperidade. Isso é válido para todos. 
Eu vejo, siderado, gente que consegue ser bem sucedida num outro país ou região e continua a arranjar todos os pretextos e sempre que tem tempo para voltar ao buraco onde nunca seria ninguém. No limite, vemos gente que apesar de estar bem e recomendar-se comete a supina asneira de voltar. Pensarão que algo mudou entretanto? 

Há umas poucas de semanas que tinha este artigo pensado mas ainda não o tinha escrito porque os meus afazeres mo não permitiram. Curiosamente, neste fim-de-semana que tive finalmente tempo de o fazer ver a luz do dia eis que um artigo de jornal vem demonstrar a tese que procuro defender.
Uma cientista brilhante que tinha uma carreira promissora no estrangeiro, volta a Portugal com a bagagem cheia de conhecimentos e a (triste) ilusão de que seria aproveitada e poria os seus conhecimentos ao serviço do «seu» país. Pobre ilusão. O que o «seu» país lhe deu foi o desemprego, a desconsideração. Afinal o seu país era aquele onde estava, onde se doutorou. Sempre foi.

Não é a primeira. Muitos regressam prematuramente ao seu país e depois andam literalmente aos caídos. Aperceber-se-ão cedo da asneira e procurarão voltar. Outros, apesar da desconsideração, apesar de não terem sido vistos como uma mais-valia para o país, ainda assim e depois enviam remessas de dinheiro para esse país; ao invés de terem as suas poupanças em bons bancos, nomeadamente aqueles radicados na Suíça, vêm aplicá-lo em bancos e produtos manhosos em Portugal. Sabem como se chamam agora? Agora chamam-se lesados. Outros houve que quiseram pagar o mal que lhes fizeram investindo na «sua terra» e acabam a valer exactamente o mesmo que valiam antes ou menos ainda pois os nativos sentir-se-ão agora também despeitados, e ainda ficam depauperados.
Penso que não vale a pena mais palavras.


Se mãe é quem cria e não quem tem, da mesma forma a nossa terra é a que nos acolhe e nos quer bem e não o sítio onde vivemos ainda que um número considerável de primaveras. Poderão dizer que estão aí as famosas raízes e tal. Eu pergunto: Raízes, o que é isso?
Já Camões dizia que os portugueses apenas precisam de um palmo de terra para nascer mas têm o mundo inteiro para morrer.

Eu, o vosso humilde escriba, assumo-me como um cidadão do mundo, do Universo. Não tenho raízes e como tal sou livre.
Sendo certo que o Homem é um eterno insatisfeito e que a terra prometida, a busca pelo Paraíso, e portanto e por consequência é a demanda de uma vida ainda assim se pergunta: A nossa terra é a melhor? Será mesmo?
 Ora vamos lá a pensar um pouco e reflectir bem sobre tal premissa.

Sem comentários: