Então e a judoca Telma Monteiro – que conquistou há cinco dias, na Finlândia, o titulo de campeã da Europa – não merecerá patrióticas bandeirinhas nacionais hasteadas em tudo o que é sitio, desde as janelas dos prédios aos tejadilhos dos táxis, passando por portas de mercearias e supermercados, átrios de centros comerciais, bombas de gasolina, cartazes publicitários e ecrãs de televisão?! E haverá 15 mil mulheres dispostas a formar uma nova bandeira humana para homenagear uma jovem atleta de alta competição, com apenas 20 anos, que já arrebatou duas medalhas de ouro, uma de prata e cinco de bronze em campeonatos europeus e mundiais de juniores, de sub-23 e de seniores – e que, neste momento, lidera o ranking mundial de judo na sua categoria (-52 Kg)?!
Estas perguntas são uma provocação, bem sei. O judo não é um desporto popular e mediático que atraia as massas (tanto em sentido próprio com figurado) e mereça um investimento «patriótico» das televisões, da banca, do petróleo, da cerveja sem álcool, e de empresas nacionais e multinacionais de refrigerantes e de artigos desportivos. Quem é que quer ouvir em ippon, yuko, waza-ari ou koka, quando o orgulho da pátria se traduz em off sides, corners, penalties, dribles, fintas, pontapés e golos? E quem é que já ouviu falar no Centro Cultural e Desportivo Construções Norte-Sul, o clube de Almada que a Telma Monteiro representa? Mais: quem é que imagina os sacrifícios que esta jovem atleta olímpica de alta competição tem de fazer e as dificuldades em angariar patrocínios, apesar do notabilíssimo currículo desportivo que ostenta?
É muito mais fácil e mediático encher as primeiras páginas dos jornais e abrir os telejornais com as derrotas, humilhações e fiascos das selecções nacionais de futebol – tanto a principal (Mundial 2002) como a olímpica (Olimpíadas 2004) como, agora, a de sub-21 (Euro 2006) – do que com o feito, inédito, da primeira portuguesa a conquistar o titulo de campeã europeia de judo. Falo desta modalidade desportiva bastante exigente, quer em termos físicos e psicológicos quer em termos técnicos e tácticos, como poderia falar de outras modalidades desportivas que em Portugal já teve magníficos praticantes, como o atletismo, hoje sem infra-estruturas físicas que permitam o treino adequado (em Lisboa, quase só resta o Estádio Universitário). Não me espanta, por isso, o lamento do velho professor Eduardo Cunha (tem 80 anos e ainda treina): «Tenho medo de verdade que Portugal seja campeão mundial de futebol. Porque aí é que acaba tudo!»
Gosto muito de futebol, percebo que ele seja um poderoso factor de identidade e ficaria radiante se os «nossos pés da Pátria» conquistassem o título mundial. Mas custa-me a engolir o desprezo a que são votadas outras modalidades desportivas em Portugal. Sobretudo custa-me a perceber esta insólita associação entre patriotismo e publicidade no futebol. Nunca fui marxista, leninista, maoísta ou trotskista, mas não tenho a menor duvida de que o capital não tem pátria. É tão evidente como o jogo de futebol.
Alfredo Barroso in Diário de Noticias
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