terça-feira, janeiro 03, 2006
Far-se-á justiça
Foi com enorme alegria que li, há pouco mais de uma semana, no Correio da Manhã que estão sendo feitas diligências no sentido de trasladar para Portugal os restos mortais da Rainha D. Maria Pia, de Itália para o nosso país. Actualmente, D. Maria Pia é a única Rainha de Portugal que não está sepultada em solo luso. Na verdade, citando Eduardo Nobre in Casa Real D. Maria Pia foi «a Rainha que Portugal esqueceu». Afirma ainda Eduardo Nobre que «Portugal nunca soube retribuir a paixão que D. Maria Pia votou ao seu país de adopção, onde, mais do que esposa, mãe e avó de reis, foi uma Rainha que marcou indelevelmente a sua época». «Quase um século após da sua morte, Portugal não se interessou ainda por recolher da Basílica de Superga os restos mortais da Rainha D. Maria Pia, para que repousem no Panteão de S. Vicente, ao lado do marido, dos filhos e dos netos» e termina, não só acusando Portugal de que «Mais que ingratidão, mais que injustiça, trata-se de um esquecimento que nos envergonha» como lança ainda «... o apelo para que se promova urgentemente o regresso a Portugal dos despojos da Rainha D. Maria Pia, com as honras nacionais que a todos os títulos lhe são devidos, e com o carinho e respeito que a sua memória nos merece»; parece que o seu apelo foi escutado! Portanto, ao concretizar-se tal evento far-se-á justiça sobre uma das mais carismáticas e populares Rainhas de Portugal. Mas qual o porquê de tanta popularidade e porque é que a sua memória nos merece tanto carinho e respeito?
D. Maria Pia de Sabóia nasceu em Turim a 16 de Outubro de 1847. Era filha de Victor Manuel, Príncipe do Piemonte e futuro Rei de Itália e de D. Maria Adelaide Francisca Reinero Elisabete Clotilde. Em 1862 foi pedida em casamento pelo Rei D. Luís I realizando-se este em Turim por procuração em 27 de Setembro de 1862. A jovem Rainha embarcou, em Génova, a bordo da corveta Bartolomeu Dias, no dia 29 de Stembro chegando a Lisboa seis dias mais tarde. Foi recebida entusiasticamente, em Portugal, no dia 5 de Outubro de 1862.
D. Maria Pia manteve-se sempre distante em relação aos acontecimentos políticos. Durante o reinado de D. Luís I, interveio de forma determinante apenas quando se deu a revolta de 19 de Maio de 1870. À noite, quando o marechal duque de Saldanha, à frente dos revoltosos foi cercar o palácio da Ajuda intimando à demissão do ministério presidido pelo duque de Loulé, a Rainha, afirmou aí a sua energia e coragem de forma notável. Posteriormente, a 2 de Outubro de 1873, estando a banhos em Cascais e tendo ido passear com seus filhos ao longo da costa até um local chamado de Mexilhoeiro, correu grande perigo a sua vida. Ao ver uma onda que lhe arrebatara os filhos, a heróica Rainha lançou-se à agua para os salvar e seria irremediavelmente arrastada para o mar vítima da sua dedicação maternal se em seu auxilio e dos príncipes não viesse o faroleiro da Guia, António de Almeida das Neves, que conseguiu arrastar para terra a Rainha e os filhos. Por este acto foi a heróica soberana agraciada com a medalha de ouro concedida ao mérito, filantropia e generosidade, por carta régia de 3 de Outubro de 1873, sendo também recompensado o seu heróico salvador com uma condecoração e pensão vitalícia.
O Inverno de 1876 foi rigorosíssimo, havendo grandes inundações, que deram origem a enormes tragédias, ficando muitas famílias completamente na miséria. Por iniciativa da bondosa Rainha logo se organizou uma comissão para angariar donativos para socorrer as vítimas das inundações. Os donativos recebidos ascenderam a mais de réis 200.00$000, formando D. Maria Pia um fundo especial com que depois foi socorrendo muitas das famílias vítimas da dureza dos Invernos. Na sessão da câmara dos deputados de 9 de Janeiro de 1877, o deputado da oposição Osório de Vasconcelos exaltou a iniciativa de Sua Majestade a Rainha, propondo o deputado Barros e Cunha que a câmara «prestando à caridosa iniciativa de Sua Majestade a Rainha por bem usar, em beneficio das vitimas das inundações, a homenagem que lhe deve em nome do povo que representa, resolve que este voto seja lançado na acta das sessões, e que uma grande deputação deponha aos pés da augusta princesa o tributo do seu reconhecimento.» A sociedade francesa L’encouragement au biem conferiu a D. Maria Pia a grande medalha de honra, na sessão de 27 de Maio de 1877. Quando ainda neste mesmo ano a fome atingiu os povos do Ceará em consequência das grandes secas que houve por aquelas paragens, a Rainha de Portugal propôs e foi aprovado que do cofre dos donativos destinados às vitimas das inundações fosse retirada a quantia de réis 36.000$000 destinada a socorrer as infelizes vitimas de tal calamidade.
D. Maria Pia fundou ainda na Tapada da Ajuda a Creche Victor Manuel, que foi inaugurada em 1 de Novembro de 1878, tendo sido construído um edifício próprio para aquele fim. Esta Rainha foi ainda uma grande entusiasta da então recém criada Organização Internacional da Cruz Vermelha sendo uma das maiores impulsionadoras da criação da Cruz Vermelha Portuguesa.
Quando circulou em Lisboa a noticia da lamentável desgraça do incêndio do teatro Baquet do Porto em Março de 1888, a Rainha D. Maria Pia partiu imediatamente de comboio numa noite de temporal, vestida de luto, pois de luto estava aquela cidade, para juntar as suas lágrimas às de tantos infelizes, correndo pelas vielas mais sórdidas do Porto, e becos escuros, a levar conforto a desgraçados que agonizavam, distribuindo esmolas a todos os infelizes que encontrava. Ali no Porto foi logo aclamada como mãe dos pobres e anjo da caridade, títulos esses que já há muito que havia conquistado pela sua beneficência. Era Grã-mestra da Ordem de Santa Isabel, Grã-cruz da Ordem de Nossa Senhora da Conceição, condecorada com a Ordem das Damas Nobres de Maria Luísa, de Espanha, presidente e protectora de muitas corporações de beneficência do Reino, e especialmente, da Associação das Creches.
Viu falecer pouco tempo depois o seu marido, o Rei D. Luís I, em 19 de Outubro de 1889, em Cascais, o que lha causou profundo desgosto e em 1 de Fevereiro de 1908 sentiu a dolorosa perda de seu filho, o Rei D. Carlos I e de seu neto, o Príncipe Real D. Luís Filipe, vitimas do infame atentado terrorista do Terreiro do Paço. Foi obrigada a sair de Portugal, no dia 5 de Outubro de 1910, aquando da imposição da república, exactamente 48 anos depois de ter chegado ao nosso país indo para o exílio em Itália.
O trágico desaparecimento de seu filho e neto, e os posteriores acontecimentos tornaram-na meio demente. Viria a falecer no palácio de Stupinigi a 5 de Julho de 1911. Ainda assim, na hora da morte, pediu que lhe virassem a cabeça na direcção de Portugal pois queria fechar os olhos na direcção do país que a acolhera em festa quase 50 anos antes.
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