quinta-feira, novembro 20, 2008

"Súbditos ou cidadãos?", por Nuno Castelo-Branco

Na "república portuguesa", os cidadãos são súbditos do livre arbítrio de quem jamais os convocou para um simples referendo à forma de representação do Estado, do processo descolonizador, da entrada na CEE ou à adesão aos Tratados da União Europeia. Os referendos são imaginosamente organizados, garantindo participações populares mínimas ou irrisórias, inseridos no normal combate interpartidário. Somos súbditos dos apetites de ministros que pretendendo garantir as subvenções ou um certo e bem conhecido clientelismo, hipotecam gerações que ficam à mercê do narcisismo, incompetência e criminosa ligeireza no estudo de processos que condicionarão irremediavelmente o futuro. Em Portugal, - esta aparente república de iluminados -, a República vive cercada por instituições "monárquicas" ou absolutistas, onde os detentores dos mais amplos e importantes poderes de decisão e julgamento, jamais passam pelo crivo da escolha popular.
Súbditos ou cidadãos?(...) O reino vizinho, vive hoje um período de inegável prosperidade, progresso material e fervilhar do seu espírito criativo. Os seus artistas são mundialmente conhecidos, a sua música ombreia com a anglo-saxónica e ultrapassa-a no âmbito da sua esfera tradicional de influência, o enorme espaço daquilo a que erroneamente chamamos América latina. Erroneamente, porque todos os países que se situam entre Tijuana e a Tierra del Fuego, são exclusivo património da gesta das duas nações ibéricas, onde uns pequenos e insignificantes pontos de excepção, confirmam a esmagadora regra. A Nueva Edad de Oro é mundialmente reconhecida e já é normal encontrarmos uma cadeira reservada para a Espanha, nas mesas onde se tomam as grandes decisões que influenciarão os destinos da humanidade. (...)Terminada a cerimónia no Vale dos Caídos (1975), a Espanha instaurou uma nova monarquia, diferente de todos os regimes precedentes. Diferente, porque pela primeira vez desde Fernando VII, o soberano detinha o poder discricionário, nas suas mãos concentrando os instrumentos que inelutavelmente ditariam o futuro próximo de quarenta milhões de espanhóis. Rei ou herdeiro de ditador? Antes de tudo, João Carlos de Bourbon foi desde o primeiro momento, Rei. Acalmou primeiramente, o evidente desespero dos órfãos do regime que desaparecia então de cena e que estava corporizado no defunto Caudilho. A nova monarquia garantiu a fidelidade das forças armadas, concitou uma espontânea e inédita adesão popular como jamais se vira no país. João Carlos foi Rei, porque soube conservar a autoridade moral para o ser. Podendo simplesmente outorgar uma já esperada Constituição, convocou o braço popular e contra poderes oposicionistas exteriores e internos, a democracia foi implantada de forma pacífica, célere e perfeitamente regrada. Ninguém hoje duvida do papel essencial da Instituição, que conseguiu pelo simples facto da sua existência, garantir uma normalidade bastante inesperada pelos observadores internacionais. No exacto momento em que Portugal se afundava no lodaçal do simulacro terceiro-mundismo de um castrismo patético e tardio, a Espanha da Pena de Morte e do garrote, a Espanha do milhão de mortos em 1936-39, a Espanha que jamais deixara de ostensivamente "saudar à romana", tornava-se num elemento habitual do bloco democrático do Ocidente europeu. Aceitando o novo regime, Dali e Picasso manifestaram o seu arreigado patriotismo e talvez estes dois representantes do espírito criador dos nossos vizinhos, seja o exemplo mais relevante do sucesso dessa verdadeira república que é a Monarquia Espanhola. País multi-étnico, com candentes problemas autonómicos, tudo pode discutir ou reivindica, pois existe o visível cimento aglutinador, sobre o qual se experimentam projectos de organização territorial, económica e social. Quando a nossa amiga Aaoiue aparenta deplorar a sua "condição de súbdita", demonstra a sua insatisfação pelo estatuto teórico que a Constituição e a Lei do reino lhe atribui. Mas o que é hoje ser súbdito em Espanha, ou no Reino Unido ou na Dinamarca, por exemplo? Creio que se trata de mera questão conceptual, ultrapassada pela prática e pela realidade vivida nos mais progressivos países onde essa "condição" não carreta qualquer ónus sobre o indivíduo que é mais que em qualquer outro local do mundo, o verdadeiro cidadão. Os espanhóis, não satisfeitos com o colossal feito de uma geração, querem mais e agora decidem discutir as questões "fracturantes ou conceptuais", pois para alguns, a questão do regime é uma questão fracturante. Não podemos estar mais de acordo, até porque o simples termo fracturante, denuncia de imediato o lógico caminho que o Estado espanhol inevitavelmente trilhará e que conduz à sua pulverização em entidades relativamente obscuras, sem peso anímico, demográfico ou estratégico que assegure o lugar tão trabalhosamente conquistado nos últimos quarenta anos.Súbditos? Sim, sem dúvida. Súbditos de uma história que os ergueu à companhia dos maiores. Súbditos de uma cultura única e universalmente respeitada e que por felicidade, encontra na rainha Sofia, uma abnegada entusiasta e severa guardiã do património. Os espanhóis são novos súbditos de uma legalidade e de um sentido de liberdades individuais sem par em toda a Europa. O rei, o monarca que em si encarna a soberania popular, não intervém no normal jogo partidário, nem se lhe conhecem favoritos. É solidário com aqueles que serviram o país, mesmo que já não exerçam a potestas de que tanto se orgulharam. O mundo aplaudiu João Carlos, quando defendendo um antigo primeiro-ministro - Aznar -, vincou o seu papel de supremo magistrado, que da imparcialidade faz valer o direito dos mais fracos, a voz dos ausentes. Ao contrário da nobreza comendadora em Portugal, não existe camarilha de Corte, em Espanha. Súbditos? Sim, súbditos de um reino onde os governos cumprem cabalmente os seus mandatos, sem temer a ira ou a parcial insatisfação do Chefe do Estado que é refém do seu próprio grupo de interesses. Súbditos? Sim, súbditos de um Estado onde é possível proceder a periódicas consultas referendárias, sem a exaltação de ânimos ou o reacender da fogueira do conflito interno, sempre devastador e estéril. Os súbditos do país vizinho, têm um Baltazar Garzón que é uma ameaça aos prepotentes. Os súbditos do rei de Espanha gozam os favores das autonomias pacificamente aceites pela imensa maioria e que nos momentos essenciais, se manifestam em uníssono naquilo que de uma mera expressão geográfica - Espanha! -, se tornou num brado de orgulhoso incentivo e defesa do bem comum. Portugal é uma república e somos cidadãos. Em teoria política, é esta a verdade estampada nos tomos e manuais escolares. Contudo, esta república submete "os cidadãos" à tirania de poderes que de tão latos, se tornaram absolutamente insusceptíveis de eleição ou consulta popular. Temos Supremos Tribunais, Procuradores Gerais e Governadores do bolso comum, que conformam usos, costumes e substituiram o antigo papel atribuído à Igreja, quanto estabelecimento dos cânones da moral. Na "república portuguesa", os cidadãos são súbditos do livre arbítrio de quem jamais os convocou para um simples referendo à forma de representação do Estado, do processo descolonizador, da entrada na CEE ou à adesão aos Tratados da União Europeia. Os referendos são imaginosamente organizados, garantindo participações populares mínimas ou irrisórias, inseridos no normal combate interpartidário. Somos súbditos dos apetites de ministros que pretendendo garantir as subvenções ou um certo e bem conhecido clientelismo, hipotecam gerações que ficam à mercê do narcisismo, incompetência e criminosa ligeireza no estudo de processos que condicionarão irremediavelmente o futuro. Em Portugal, - esta aparente república de iluminados -, a República vive cercada por instituições "monárquicas" ou absolutistas, onde os detentores dos mais amplos e importantes poderes de decisão e julgamento, jamais passam pelo crivo da escolha popular. Em Espanha, a Monarquia congrega em si a verdadeira república, a dos homens livres e do Estado livre, sendo uns indissociáveis do outro.Os cidadãos portugueses, ao contrário dos súbditos espanhóis, não vêm no Chefe do Estado um ente ideal que paira acima do emaranhado nodoso das agremiações partidárias, sindicais ou patronais. Em Portugal, os cidadãos sabem que o seu primeiro entre iguais, é uma parte interessada, fundamental e interesseira no jogo da parcialidade e da política facciosa, estando ao serviço do seus. Mesmo ostentando mutiladas condecorações ou Ordens de um passado glorioso, é um ente efémero, destinado ao esquecimento que é ditado pela sua temporal utilidade para benefício de alguns. Ao contrário do Chefe do Estado dos cidadãos, em Espanha, os súbditos do rei não o viram jamais contestar a vontade popular expressa nas urnas ou no Parlamento, mesmo que muitas vezes, o homem João Carlos de Bourbon, possa sentir os postulados e as normas de forma diferente daquela a que o rei João Carlos I, de uma penada as assina com o tradicional Yo, El Rey.

É por isso,(...), que também quero ser súbdito em Portugal. Súbdito de um Estado decente que tenha em conta o meu parecer e a visão daquilo que julgo ser o bem comum. Quero ser súbdito de alguém, em quem eu reveja a síntese de quase mil anos de uma História ímpar e de uma grandeza hoje amesquinhada ou ignorada por aqueles que a essa mesma história tudo devem. Quando formos súbditos do nosso rei Duarte, seremos verdadeiramente, cidadãos livres.

Nuno Castelo-Branco (18 de Novembro de 2008)
http://estadosentido.blogs.sapo.pt/

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