sexta-feira, junho 21, 2013

Quando isto de ser «acordista» é um problema dos diabos

O Correio da Manhã, jornal que infelizmente se «acordizou» no inicio deste ano – e que dessa forma perdeu um leitor assíduo – de vez em quando (e já não é a primeira vez) tem dilemas existenciais no que à ortografia adoptada, ou «adotada» conforme o (mau) gosto, diz respeito. A edição de ontem, dia 20 de Junho de 2013 é disso exemplo. Uma notícia dá conta de falhas nos sistemas informáticos de centros de saúde e hospitais do país tendo como consequência dificuldades na prescrição de medicamentos e tem como título «Informática pára centros de saúde» – devo dizer que o soube imediatamente assim que pus os olhos nas garrafais letras do título pois este é claro mas apenas porque ou houve recurso a um «truque» ou por desconhecimento do acordês(?). Atentemos no «pára», pois é aqui que está a chave da questão e como tal vamos parar aqui um pouco e reflectir. De acordo com o inenarrável «Acordo» – escrevo sempre entre comas pois só Portugal é que o cumpre e qualquer acordo para o ser tem que ser no mínimo consignado por duas partes o que não é o caso – Ortográfico, o presente do indicativo do verbo parar na terceira pessoa do singular «vê» o acento (que tem a função de «abrir» o som «a» da mesma forma que «a» e «à» ou «e» e «é») «voar» transformando-se assim pára (Ele ou ela pára) em para (Ele ou ela para) não se distinguindo assim da preposição «para» que se escreve de forma igual, exactamente o mesmo que aconteceu com «cágado», a simpática tartaruga de água doce que o dito cujo encarregou de deixar «cagado» para além da cagada em que converteu a língua escrita; um crime de lesa-pátria, um ultraje. E se em determinados (poucos) contextos consegue-se discernir, na maioria dos contextos fica-se sem saber se o «a» é aberto ou fechado o que faz a diferença entre forma verbal e preposição. E como tal, aqui é que a porca torce o rabo e em particular, torceu neste que é um dos flagrantes casos que tornam a frase ambígua e divergente com dois sentidos completamente díspares consoante se interprete o «para» como forma verbal ou como preposição – e é legítima e altamente provável a dúvida. É que se o «para» for interpretado como a forma verbal do verbo parar na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, significa que a informática está a bloquear os centros de saúde que assim ficam sem capacidade de resposta relativamente a funções que dependem dos sistemas de computação. Se, por outro lado, o «para» for interpretado como preposição o sentido da frase muda total e radicalmente, significando esta que os centros de saúde vão ser abastecidos ou equipados com material informático. Tem tudo a ver não tem? Quando nós sabemos que uma simples vírgula altera totalmente o sentido de um texto e que no passado já levou e levará a que acordos e negociações inclusive ao mais alto nível fiquem bloqueados por horas e até mesmo dias por tão enganadoramente insignificante coisa que o não é podendo sair caro como aliás se pode ver aqui, o que não dizer de um acento ou de uma letra? Como também de pode ver, a titulo de exemplo, com a questão da lei autárquica onde ser presidente de Câmara ou Presidente da Câmara faz toda a diferença e muda completamente o âmago da lei tornado-a terrivelmente ambígua e sujeita a interpretações díspares e que já fez, faz e irá continuar com toda a certeza a fazer correr rios de tinta. Não é à toa que tribunais e magistrados resistem à catástrofe acordista proibindo-a mesmo. Exemplos não faltam. Fazia falta a muita gente ter tido Gramática na Escola Primária como eu tive bem como um Professor de Português como o que eu igualmente tive no 8º ano no já longínquo ano lectivo de 89/90 que numa manhã quente de Maio me deu a mim (pelo menos a mim deu) e aos meus colegas uma magistral lição da qual nunca mais me esqueci, sobre a real importância da pontuação e de como esta é determinante e altera completamente uma frase não servindo apenas para embelezar e promover uma escrita com estilo, com uma simples estória (não sei se verdadeira se falsa): a estória do «MORRA SALAZAR NÃO FAZ FALTA À NAÇÃO». Conhecê-la-ão as eminências pardas que por aí andam a promover a coisa? Se não conhecem, deviam.
 Mas voltando ao que interessa, se não fosse o acento e nos ficássemos, fosse pelo que fosse, apenas pelo título (se este estivesse totalmente em acordês o que não é o caso) ficaríamos sem saber o que se está a passar nos centros de saúde. Bloqueados pelos sistemas informáticos ou equipados com material informático? Giro não é? É isto evolução; argumento usado por este jornal no início deste ano para justificar a aderência ao «acordês» e o abandono do português?! Não há dúvida que a ortografia melhorou e se clarificou. Nada de ambiguidades! Eis a prova: clarinho como a água cristalina que sai de uma conduta de esgoto. Ou como agora está em voga: limpinho.
Ironias à parte, até porque esta desgraça que caiu em cima da ortografia portuguesa – já agora, quem gostar e saber desta igualmente bela forma antiga, também poderá escrever «ortographia portugueza» – de engraçado pouco ou nada tem, e perante um bico d’obra desta dimensão em que é que ficamos? Bem, neste caso, cientes (ou não) de tão confrangedora situação resolveu-se o problema facilmente (repito, se quem o fez é um acordista fluente) com uma ligeireza e manhosice que até assusta (a mim assustou). Pôs-se o acento no «para» e pronto «tá» resolvido – não me canso de repetir, até porque me recuso a acreditar em sancta simplicitas, que parto do princípio que quem assim escreveu (autor do artigo, redacção…) sabe escrever «acordês» correcto… ou «correto» para não destoar.
Ora o Correio da Manhã (neste caso) ou lá quem for (seja entidade singular ou colectiva) não pode ser «acordista» só quando convém ou ser «acordista» às Segundas, Quartas e Sextas e deixar de ser «acordista» às Terças, Quintas e Sábados – sendo que o Domingo é para descansar até porque isto de ser voluntariamente bipolar cansa a moleirinha.
Mas vendo as coisas por outro prisma há aqui algo ainda mais confrangedor que me deixa bem mais deprimido, apreensivo diria mesmo estupefacto, siderado com o estado a que Portugal chegou. Na verdade convenço-me mais de que por cá, regra geral, os melhores das duas uma: ou estão desempregados ou emigraram (ou melhor dizendo, fugiram a sete pés deste país que em tempos que já lá vão foi classificado como um manicómio em autogestão) faltando – e muito – inteligência, bom-senso e falta de sentido prático nos espíritos que por cá andam. Na verdade, se o dilema está no para/pára, o caso seria perfeitamente contornável se alguém tivesse sido perspicaz e prático poupando-se este que é (era?) um jornal de referência a um embaraço que não deixa de o ser e poupar-me-iam a mim o tempo que levei a escrever este arrazoado de palavras – até porque assim que vi tal coisa senti-me violado na minha consciência e como tal não pude nem quis ficar mudo e quedo. Bastava tão só substituir a polémica palavra por um sinónimo (o ideal era substituir a grafia mas infelizmente já era pedir demais) e o caso estava arrumado. Era difícil? Bem, eis alguns exemplos:

- INFORMÁTICA TRAVA CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA DETÉM CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA DEIXA REFÉNS CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA PARALIZA CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA IMOBILIZA CENTROS DE SAÚDE
- INFORMÁTICA BLOQUEIA CENTROS DE SAÚDE

Era à escolha do freguês. Simples, inteligente e prático – aliás é o que eu pessoalmente faço mesmo quando apenas estou em dúvida se determinada palavra que na ocasião escrevo está ou não correcta e não tenho um dicionário à mão. Substituo a palavra, cuja escrita me deixa dúvidas no meu espírito, por um sinónimo ou expressão equivalente e pronto.

E depois há muita gente a admirar-se dos jornais escritos estarem a perder cada vez mais leitores, em Portugal. Pudera! Para além do facto da Internet ser um veículo mais eficaz e barato de transmitir notícias (inclusive sem filtros), quem se dispõe a desembolsar uma dada quantia por um determinado produto põe como condição e assegura-se que este é de relativamente boa qualidade. E assim vamos por cá. O tempora! O mores!

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