Todos os anos é a mesma coisa. É por esta altura que se realiza em Vilar de Perdizes, Trás-os-Montes, os célebres Congressos Nacionais (nem tudo o que é nacional é bom!) de Medicina Popular e, não há ano nenhum que passe que não estejam lá rapidamente e em força todas as estações televisivas para cobrir exaustivamente do princípio ao fim tão «útil» e «importante» evento.
É pena que nenhum comentador ou crítico televisivo da nossa praça se digne a comentar tão bizarro procedimento.
Há lá de tudo um pouco! É à vontade do freguês! Desde ervas medicinais recolhidas por veneráveis anciãs transmontanas (uma das poucas coisas credíveis e que em grande parte dão resultado) até aos «professores» hipnoterapeutas que onde põem a mão deixam logo tudo firme e hirto que nem barras de ferro, astrólogos, cartomantes e, se calhar, até a vidente que diz desesperadamente àquele infeliz do anúncio «mudassti» lá assenta arraiais todos os aninhos. Muito provavelmente, resmas de charlatães e impostores que fazem o que podem para ganhar a vida sem suar muito e que deviam estar a fazer demonstrações dos seus «poderes» atrás das grades para os seus colegas de cácere, não passa um ano sem que ponham lá os pés e, sei lá que mais; já para não falar nos «efeitos especiais» que são montados para irem para o ar nos telejornais – sim, porque isto do marketing tem muito que se lhe diga e, diga-se em abono da verdade, que desde sempre tem sido a arma principal dos profissionais deste ramo para atrair potenciais clientes – como por exemplo aquela mistela flamejante, com toda a certeza, à base de álcool etílico que ferve num caldeirão e do qual lhe retiram grossas colheradas, até aquelas almas que urram que nem capados, que reviram os olhos ou tremelicam de alto a baixo e que guincham que nem macacos ou dão medonhos grunhidos; tudo para impressionar... os mais impressionáveis.
E o que faz a comunicação social, auto-intitulada, de referência? Também assenta arraiais ano após ano e acompanha a par e passo o tudo o que lá é dito... e feito. Serviço público não é certamente e a Ciência não anda ali! Sim, porque quando se trata de congressos ou encontros de carácter científico, quer sejam de Medicina, Matemática, Física, Química, Biologia, etc. fogem a sete pés como o Diabo da cruz limitando-se apenas a informar que vai acontecer ou que já aconteceu e, de vez em quando lá dão um «cheirinho» do evento traduzido em parcas imagens.
Quereis um exemplo? Eu dou-o e na primeira pessoa!
Realizou-se em Évora, de 6 a 10 de Setembro de 2002, a 13ª Conferência Nacional de Física e o 12º Encontro Ibérico para o Ensino da Física. Eu, como estudante de Física na Universidade de Évora, fazia parte do staff. Na abertura do evento esteve presente o então Ministro da Educação, David Justino e o encerramento contou com a presença do ex-Ministro da Ciência e Ensino Superior, Pedro Lince.
Acontece que exactamente na mesma altura decorria em Vilar de Perdizes o já referido encontro de bruxos e curandeiros; e o que fez a comunicação social? O que já todos calculam! Praticamente ignoraram o evento que se realizou em Évora e foram-se amesendar de armas e bagagem em Vilar de Perdizes. Foi confrangedor! Não houve bloco noticioso – independentemente de qual fosse a estação de televisão – fosse da tarde, fosse da noite em que não se relatasse exaustivamente e em pormenor tudo o que aí se passava, muitas vezes em directo, entrevistando os congressistas e algumas pessoas que assistiam ao espectáculo.
Entretanto em Évora, também os jornalistas marcaram presença e o evento foi noticiado e algumas pessoas entrevistadas. Infelizmente, os repórteres só estiveram presentes quando lá estavam os Ministros. Pode-se mesmo dizer que vieram a reboque destes. Mal estes se fizeram à estrada, logo os ditos «abandonaram a guitarra»! Fizeram algumas imagens, publicou-se uma notícia com algumas linhas nos jornais e pronto. Até o 2010 um programa que é definido como um magazine científico (?), que passava (e passa) na RTP 2 (ou simplesmente 2), se limitou apenas a pôr no ar durante alguns minutos (acho que nem chegou a 5) uma reportagem sobre um acontecimento que tinha durado 4 dias, e mais; reduzindo-o a um simples encontro onde se falou apenas de Física aplicada à Medicina quando na verdade decorreram conferências, palestras e exposições em que foram tratados vários e interessantes assuntos e matérias. Aquilo que passou no 2010 foi apenas um dos temas tratados.
Alguns dos oradores foram físicos estrangeiros de nomeada ligados a algumas das mais prestigiadas instituições do mundo, tais como Edwin F. Taylor (MIT Senior Research Scientist Emeritus), Lawrence Krauss (Ambrose Swasey Professor of Physics, Professor of Astronomy and Chair Physics Department Case Western Reserve University), Daniel Rosenfeld (The Hebrew University of Jerusalem) ou Eric Mazur (Division of Engineering & Applied Sciences and Department of Physics Harvard University), só para citar alguns.
Como também se falava acerca de como devia ser o ensino da Física e como esta disciplina e a Matemática (e o Português, e a História Mundial e de Portugal, etc mas estas duas são aquelas com os piores resultados) andam pelas ruas da amargura, mais uma razão para dar a conhecer o que ali se falou acerca do tema. Mas enfim...
A conferência do Professor Eric Mazur abordava precisamente este tema. Nesta conferência intitulada Memoryizing or understanding: Are we teaching the right thing? o professor Mazur explicava e mostrava em pequenos filmes que também nos EUA, tantas vezes apresentados como modelo a seguir e onde estão algumas das mais prestigiadas Universidades do mundo, existem alunos que chegam ao ensino superior com algumas lacunas. Dizia ele que há alunos que entram em... Harvard sem saber o que são as leis de Newton ou que há estudantes, e não só, que não sabem quantos planetas tem o Sistema Solar. No inquérito realizado, e que nos foi mostrado durante a apresentação da conferência, apareciam pessoas que diziam serem cem os planetas do Sistema Solar. Em seguida explicava qual deveria ser a melhor a melhor maneira de ensinar a Física; se com o recurso à memorização dos conceitos ou se estes deviam ser compreendidos pelos estudantes e falando da sua experiência e forma de dar as aulas.
Quando estava prestes a chegar o Ministro Pedro Lince, para a cerimónia de encerramento, comentei para os meus colegas que «os jornalistas também devem estar agora aí a chegar!». Acontece que estava a entrar na sala um jornalista que eu não conhecia da TV (presumo que era do 2010) e ouviu o meu comentário e, interpretando mal as minhas palavras – pensou certamente que eu não os quereria ver ali quando bem pelo contrário – logo disparou um seco «engana-se. Já cá estão.», ao que eu retorqui «ora ainda bem!». É claro que os repórteres não têm a culpa. Culpados são os directores e aqueles que decidem o que é notícia e o que não é! Os repórteres limitam-se a ir fazer o seu trabalho.
Em face disto tudo é natural que em Portugal se ganhe mais respeito e admiração pela gente que pontua em Vilar de Perdizes do que por gente da Ciência e que haja cada vez mais gente a tirar cursos de astrologia e afins. São mais conhecidos os astrólogos e tarólogos da nossa praça do que aqueles que fazem Ciência. E depois ainda vêm dizer que o nosso país é atrasado e que em termos científicos é quase uma nulidade e que os jovens acham horrível a Matemática e a Física e que é necessário um choque tecnológico e blá blá blá.... Pudera o fascínio deles vai para outras «ciências» bem mais leves e sem grandes complicações!
Querem outra? 2005 foi designado pela UNESCO como o Ano Mundial da Física por ser em 2005 que passam cem anos desde a publicação da Teoria de Relatividade (Restrita) de Einstein. Sabiam? O que é que se falou sobre isto? Muito pouco!
Quanto a mim, resta-me apelar a todos para que não neguem à partida uma Ciência que é desprezada!
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