quarta-feira, março 30, 2011

Nada disto é novo

Portugal já declarou bancarrota parcial em 1891 e saiu-se bem A dívida externa passou de 31 para 75 por cento do PIB e os juros comiam metade das receitas. Mas o Governo decidiu adoptar um outro modelo de financiamento. Nem tudo é mau na bancarrota. Até à grande crise financeira de 1891, as dificuldades em pagar a dívida externa eram resolvidas com o aperto da economia e quem sofria eram as camadas “menos abastadas”. Mas a declaração da bancarrota serviu ao Governo para mudar a forma de se financiar e relançar a economia. Esta visão benigna da bancarrota nacional, como uma opção política do então ministro da Fazenda Oliveira Martins, é lembrada pelo historiador da economia portuguesa Pedro Lains, professor do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa. E até seria algo bastante actual. “Na Irlanda, chegou-se a falar do reescalonamento da dívida”, adianta, e, “eventualmente, isso seria mais justo”. Porquê? Porque a sua causa foi a deficiente gestão bancária do “excesso de liquidez com que as economias foram inundadas”. Provocaram enormes movimentações de capitais, maus investimentos. “Os Estados vieram socorrer os bancos e agora são os Estados que precisam de ser socorridos”, conclui Pedro Lains. A bancarrota poderia ser uma solução? Se calhar, não. É um debate a fazer, mas o que aí vem parece saído dos compêndios de História. Recue-se a esses tempos. “Há uma grande diferença entre o século XIX e XX”, começa Lains. “É que, no século XIX, foi necessário financiar a construção do Estado. Em 1830, o Estado era muito débil. O Governo em Lisboa podia emitir uma ordem que não chegava a Trás-os-Montes”. A centralização deu-se por toda a Europa. E a dívida pública foi de longe – em Portugal – a fonte de financiamento. O sistema fiscal era incipiente e estava centrado nas taxas alfandegárias e nas transacções, quase nada sobre o rendimento. A dívida cresceu à medida dos gastos. “À cabeça, o funcionalismo, haver administração em todo o lado. Depois, as obras públicas”, salienta. Estradas, caminhos-de-ferro, portos, escolas e instituições sociais. Mais a defesa e, “claro, o serviço da dívida que ia crescendo”. Portugal aderiu ao padrão-ouro em 1854 e ganhou crédito nos mercados de Londres e Paris. O primeiro empréstimo internacional surge em 1856. Tentou-se estruturar o sistema bancário e fiscal. Criou-se em 1868 a contribuição predial e industrial – que iriam ficar até 1989. Mas em 1880 falhou a reforma fiscal sobre o rendimento. Criar impostos gerava revoltas e – como recordam José Luís Cardoso e Pedro Lains no artigo Public finance in Portugal, 1796-1910 – o recurso à dívida era a solução de curto prazo politicamente mais indolor. No dealbar da crise, os impostos sobre o rendimento eram apenas 15 por cento da receita, que, por sua vez, representavam só 5,5 por cento do PIB. Mas no final do século XIX Portugal estava longe da Europa. A única estrada decente unia Lisboa ao Porto e a população era analfabeta. E se a dívida absorveu 31 por cento do PIB entre 1852-59, chegou aos 75 por cento em 1891. Os juros levavam metade das receitas (hoje o valor da dívida é da ordem dos 90 por cento do PIB, mas os encargos pesam 14 por cento nas receitas do Estado) . Por outro lado, a educação e assistência levavam só três por cento do PIB, isto é, seis vezes menos do que os gastos militares e pouco mais do dobro da dotação da família real. Recorria-se à dívida e prometia-se maior rigor, prosperidade. Nada se verificou. Sucederam-se as crises financeiras. Foi em 1857, 1866, 1873, 1876. Nalguns casos, com ruptura da banca. A economia sofria deflações contínuas para recuperar o equilíbrio. Subiam as taxas de juro e apertava-se nas contas públicas. Era sempre a receita. Finalmente, veio a grande crise do século, só saldada em 1902. Nesse ano de 1891, a par dos problemas políticos (ver caixa), tudo se tornou um problema. O banco londrino Baring Brothers – que colocava a divida pública de países nos mercados francês e inglês – abanou com a insolvência da Argentina e Uruguai. Gerou-se o pânico internacional e os mercados fecharam-se. Em Portugal, a solução foi mais uma vez austeridade. Tornam-se patentes as más aplicações da banca (Joel Serrão). Em Maio, dá-se uma corrida aos depósitos e é suspensa por 90 dias a conversão das notas de banco. A economia deprime-se, só atenuada pelo proteccionismo da pauta aduaneira. Mas também pelo recurso ao banco emissor e à controversa receita extraordinária de conceder o contrato dos tabacos ao conde de Burnay, por três milhões de libras. “Mas em 1891, quando é declarada a bancarrota parcial, não era a única alternativa”, lembra Lains. “O modelo de financiamento do Estado liberal que era característico de alguns países mais periféricos não estava à partida condenado. Ele podia continuar”. O que é que aconteceu? Pedro Lains interpreta que esse modelo de empobrecimento da economia se tornou “demasiadamente oneroso”. Afectava as camadas de menores rendimentos, que “começaram a ganhar voz” nas forças republicanas. Em 1891, “quando o Governo declara a bancarrota parcial, o que efectivamente estava a dizer era que se pretendia acabar com esse tipo de financiamento e passar a outro”. Portugal sai do padrão-ouro, reescalona a dívida externa e passa a financiar-se através de recursos internos, pela emissão de moeda. “Foi uma opção política clara”, conclui Lains. A alteração resultou. Mas também porque a economia internacional cresceu e absorveu a inflação. “A solução foi boa, no momento certo”, sorri Lains. “Podia não ter sido”. E hoje? Hoje a opção monetarista não é popular e está impedida. “Não há uma massa de operariado como havia antes”, já não influencia, acha Lains. E o debate político está ao nível de 1891: os bons e os maus. “A oposição a dizer que o Governo levará o país ao abismo”. O “abismo” apenas terminou no Estado Novo. Mas foram 48 anos de ditadura e de atraso nacional. Análise Por Guilherme d”Oliveira Martins 1891 conheceu uma confluência excepcional de factores negativos na economia internacional. O desastre financeiro da Argentina e a falência da casa Baring Brothers de Londres são sintomas de uma crise internacional, com graves consequências para a economia portuguesa. Perante a nossa dependência e o peso do endividamento, a quebra de uma instituição com a qual a economia portuguesa tinha relações intensas arrastou a impossibilidade de solvermos os nossos compromissos no exterior. O segundo Governo de João Crisóstomo é incapaz de responder à crise, caracterizada por inflação, desemprego, especulação, açambarcamento do ouro, corrida aos bancos, irregularidade e insuficiência nos meios de pagamento, recusa do comércio retalhista em aceitar notas de banco sem ágio, emigração clandestina… Após o optimismo do final da década de oitenta, veio a depressão. O défice orçamental e o desequilíbrio da balança de transacções correntes agravam-se significativamente. Para contrariar esta tendência, é emitido um empréstimo público, a fim de fazer face à situação do sector bancário. O Estado pede ajuda aos banqueiros nacionais. Os bancos emissores lançam moeda fiduciária, sendo adoptado o bimetalismo, que substitui o padrão-ouro, antecâmara da inconvertibilidade do papel-moeda. Mariano de Carvalho, ministro da Fazenda, procura negociar com os credores externos, sem êxito e sob suspeitas, com pressões nas concessões dos caminhos-de-ferro. A confiança esvai-se. Fala-se de Oliveira Martins para a pasta da Fazenda. O Rei D. Carlos convida o conde de Valbom para a Presidência, mas este considera não poder aceitar. Surge então o nome de José Dias Ferreira, lente de Coimbra, do velho Partido Reformista. O Governo de emergência constitui-se, no início de 1892, com três pares do Reino e três deputados. O novo ministro da Fazenda propõe um plano de emergência, a que se seguiriam outras estruturais, para estabilizar a situação económica e financeira. As medidas drásticas surgem, exigindo grandes sacrifícios: corte na despesa pública e suspensão da admissão de funcionários. O Rei reduz em 20% a sua dotação. Perante uma Câmara de Deputados com maioria regeneradora, os partidos parecem acatar o apelo patriótico. Num primeiro momento, houve acalmação, mas foi sol de pouca dura. O executivo pede plenos poderes: para cortar vencimentos, suprimir verbas, aumentar os impostos com taxas mais manejáveis, diminuir os juros da dívida pública, iniciar as negociações para um convénio com os credores externos, lançar um novo empréstimo e adoptar uma nova pauta aduaneira. O ministro dirá que “o convénio e o empréstimo não eram mais do que o prólogo indispensável” para depois providenciar sobre a “reconstituição do organismo financeiro e económico português”. Se no exercício de 1890-91 havia um défice de pouco mais de três mil contos de réis, a execução registou um desequilíbrio de 11.550 contos. As medidas são: uma contribuição sobre os rendimentos superiores a 300 mil réis, com taxas de 5% e 20%; novas taxas suplementares para as contribuições predial e industrial; taxa acrescida da contribuição de rendimentos dos títulos da dívida pública; autorização para negociar com credores externos um convénio de conversão que produzisse os mesmos efeitos para a economia e para o Estado, com vista à redução do capital e dos juros; e a adopção de medidas de disciplina financeira. A questão central era a da negociação com os credores externos. Os primeiros contactos pareceram apontar num sentido positivo, mas tudo se precipita e o ministro demitiu-se por discordar da rigidez de José Dias. A situação só se resolveria em 1902. No dia em que deixou o Terreiro do Paço, O.M. escreveu a Eça de Queirós: “José Maria do meu coração! Emergi da cloaca ministerial. Parto a 31 no Magdalena para Inglaterra, onde tomarei algumas semanas de ar”. Presidente do Tribunal de Contas. Oliveira Martins era o seu tio-bisavô 2010-10-10 08:13 João Ramos de Almeida, Guilherme d’Oliveira Martins, Público Daqui

1 comentário:

Anónimo disse...

CAVACO VAI FALAR...VAI DIZER QUE SE VAI DEMITIR... FORAAAAAAA